De Procura-se Polícia |
Se gritarem “pega ladrão!” corra para o lado oposto, porque o meliante nunca age sozinho ou de cara limpa. E, no arraial do Junco, Polícia virou vocábulo em desuso.
A delegacia de lá é como “A Casa”, de Vinícius de Moraes: “Era uma casa muito engraçada / não tinha teto, não tinha nada”. Presos não há nela não porque lhe falta um escrivão. Se houvesse segurança institucional conforme manda a Constituição Brasileira, havia superlotação na cadeia, de tantos velhacos e amigos do alheio que pululam na cidade. Sem se falar nos latrocidas de plantão no matagal à espreita do incauto velhinho e seu salário da aposentadoria.
Se faltou craque na seleção de Dunga, no arraial do Junco o crack abunda de tal maneira que uma boa parcela da população já anda de boca torta. Sem polícia para interromper o fumacê, a turma fuma seu cachimbinho na santa paz de Jah. O problema é na hora do acerto de contas com o traficante. Sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes, a solução é enveredar pelo mundo do crime. Quem quiser que cuide em colocar tranca reforçada nas portas ou contratar vigilância particular.
Esse cuidado não teve o cidadão que abriu uma loja de revenda de aparelho celular, pensando em tirar proveito da novidade: uma torre da operadora TIM, que fora obrigada pela Anatel a ligar a caatinga ao restante do mundo. Até que ele teria feito seu pé de meia sem maiores delongas se o ladrão não tivesse descoberto a fragilidade da segurança da loja e a inoperosidade da polícia. Arrombou a porta e fez o rapa, sem deixar um aparelho de remédio, como diria a minha avó.
Mas houve um tempo que existia lei no arraial do Junco. Eu era menino, mas me lembro da noite que o delegado teve o prazer de inaugurar a cela e a palmatória da cadeia, que, aliás, não era nem cadeia nos padrões normais, mas uma casa alugada pela Prefeitura, cujos quartos serviam de abrigo aos meliantes. Era um garoto o tal do ladrão, quase da minha idade, que fora flagrado roubando umas miudezas na feira. O delegado, um cidadão comum da cidade investido do cargo, convocou a população para dar testemunho do seu método científico em fazer o ladrão de galinhas cantar. Como havia muita gente e não cabia na casa, ele colocou o malfeitor na calçada, pegou a palmatória e deu tantos bolos no ladrão que, se vivo ainda for, deve chorar toda vez que se lembra desse episódio. No dia seguinte o agente da Lei abriu a porta da cadeia e o soltou, com a recomendação expressa de nunca mais aparecer por lá.
O meu avô materno também foi um homem da Lei, nomeado por um político de alta patente. Não exibia uma estrela de xerife à moda do Velho Oeste, mas sentia orgulho como tal. Como os fora-da-lei passavam ao largo da cidade e ele ia torrar seu mandato sem nenhuma ocorrência policial de relevância reconhecida, resolveu então prender um petroleiro que passava no carro da Petrobrás e, ao avistá-lo montado em seu alazão, buzinou em saudação. O cavalo se assustou, empinou e jogou o cavaleiro ao chão. Ato contínuo, levantou-se, sacudiu a poeira, montou no cavalo e se dirigiu ao acampamento da Petrobrás, onde deu voz de prisão ao infeliz. O motorista delinquente passou três dias na cadeia e só foi solto depois que o cabo de turma garantiu que ele seria transferido.
Nos anos oitenta havia um delegado e um destacamento da Polícia Militar na cidade. Dava para o gasto se o Banco do Brasil não tivesse inaugurado a sucursal do Inferno em pleno sertão: hora e outra era assaltado sem a menor desfaçatez dos assaltantes, pois coincidia da polícia e do delegado estarem em diligência noutras paragens. Mas um aprendiz de ladrão de cavalos não teve a mesma sorte. Roubou um cavalo no pasto e foi para a cidade fazer negócio, se imaginando o rei do crime insolúvel. Era dia de feira e não seria difícil passar o animal adiante. Ao primeiro que ofereceu, recebeu voz de prisão: era o delegado e, por azar, o dono do cavalo.
Por exigência constitucional, delegados, agora, só de carreira. E nomeados por concurso. É que muitos xerifes, à moda do Oeste americano, se rendiam facilmente ao poder local, normalmente se agregando ao prefeito que era, na verdade, o responsável por sua nomeação. Como o acontecido no arraial do Junco. A cidade festejava mais um ano de emancipação política quando um arruaceiro foi preso. Correram ao prefeito pedindo soltura, pois era filho de um cabo eleitoral importante. O prefeito, de cima do trio elétrico onde vendia simpatia, tomou o microfone do cantor e mandou a polícia soltar o rapaz. Os agredidos se sentiram mais agredidos ainda e subiram no trio. Eram muitos. O prefeito voltou atrás e mandou a polícia levar o desordeiro pro xilindró. Outros amigos do preso intercederam. Era só um mal entendido. O prefeito mandou soltar. E nesse vai e vem, um soldado subiu no trio, pegou o microfone, e implorou:
– Seu prefeito, resolva logo: é pra prender ou pra soltar?
Hoje, infelizmente, é para se prender os autores de outros tipos de delitos, mais perniciosos e até crimes de morte. Mas... cadê a Polícia?
Ah! O prefeito?! Vai bem, obrigado.
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