quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Arraial do Junco sitiado pelo medo

De violência urbana


Na semana passada escrevi aqui sobre a violência que tomou de assalto a pacata população do arraial do Junco, incentivada pela ausência de investimentos em segurança pública e pela falta de ações sociais junto às comunidades carentes e aplicações de recursos em geração de emprego e renda. Como diz o ditado popular: mente desocupada é oficina do Diabo.

Some-se a isso a impunidade que permeia nas varas e tribunais, onde os ladrões do colarinho branco sempre se safam dos crimes de lesa-pátria. Ou de assalto aos cofres públicos. No arraial do Junco, com raras exceções, entram prefeitos pobres ou remediados e de uma hora pra outra se tornam grandes fazendeiros ou empresários, sem que se justifique tamanho aumento de patrimônio. E passam incólumes pelos tribunais fiscalizadores. De vez em quando um ou outro é apanhado por não ter como justificar tamanha roubalheira, mas aí a Câmara de Vereadores legaliza o desvio de conduta e o butim.

Hoje peço licença aos leitores do blog para publicar uma carta da professora, escritora e também colaboradora desse blog, Cristiana Alves, feita sob a tutela do medo, hoje de manhã, quando o Banco do Brasil do arraial do Junco foi tomado de assalto e a mesma lecionava em frente ao banco, de onde ouviu o tiroteio e a gritaria.

Sem polícia, sem delegado, os bandidos fizeram a festa.
Fiz uma revisão rápida no texto, apenas ajustando palavras desencontradas pelo medo.



Carta de Cristiana Alves


“Querido!

" A vida permanece em mim, e eu nela; o amor permanece em mim e eu nele..."



Se estiver lendo... ora, reza, pensa em coisas positivas. Tem um assalto em frente ao lugar que trabalho... estou com medo de alguém sair ferido... muitos tiros... reféns... Estou trancada no laboratório... tem muita gente lá fora... Não tenho noticias dos acontecimentos... vou ficar bem, mas temo por quem não está dentro do colégio... Há reféns no banco, não sei quem são. Por favor, perdoe-me por ficar te escrevendo agora , mas é que preciso me manter calma, a única forma é escrevendo. Sei que há violência em todos os lugares, mas assusta ver perto de nós.

Eu não diferencio tiros de bombas, pensei que eram fogos dentro da sala. Os alunos estão contidos, embora nervosos. Quem está no colégio está protegido. Liguei para minha casa; estão quase todos em casa... Não sei onde está meu pai, mas acredito que ele esteja na fazendo...

Estou aqui, mas fico preocupada com quem pode estar ferido.... Não consigo parar de escrever... Sinto paz em pensar em ti... sinto vontade de chorar também, mas NÃO POSSO, TÊM ADOLESCENTES ESPERANDO QUE EU SEJA FORTE E NÃO CHORE... Fico pensando o quanto somos impotentes, o quanto o que fazemos não resolve, precisamos de ações sociais mais efetivas, mas ignoramos as diferenças sociais.

Esta era uma cidade na qual se podia dormir com as janelas abertas, as portas e varandas não precisavam de fechadura, hoje transformam-se em presídio, estou trancada num “sair ou ficar eis a questão”, melhor ficar presa, por trás das grades de um colégio, lugar de liberdade, como se fosse um presídio e esperar que os tiros nesta floresta da violência não atinjam aqueles que nela percorrem entre ruas de calçadas que se transformam em selvas do animais que são considerados civilizados.

Pessoas que parecem iguais, não sei onde se desviam do humano, uns reféns de armas, outros reféns sociais, não sei o que se passa na cabeça das pessoas, escrevo de fluxo, não sei mais o que penso ou o que sinto neste momento.

Tenho informações que lá fora os tiros cessaram, a bordo de uma carro estão pessoas, semelhantes iguais, uns com armas na mão, outros com a vida por um fio, todos vivendo num carrossel que não para de girar, todos vivendo um mundo que há pouco parecia irreal...

Quando minha vida cessar que ela se vá escrita com algo que remeta paz, não gosto de chorar lágrimas sobre palavras, não gosto de ver o lugar em que cresci transformado numa selva em que animais como eu, são predadores de homens...

Projéteis por todo lado, vidros quebrados, as pessoas falam ao meu redor, eu não consigo deixar este teclado, estou paralisada em frente a uma tela de computador, sinto vontade de chorar, não choro com lágrimas, mas com palavras que saltam da minha mente em fluxo, não escrevo com nexo, faço uma carta a alguém especial, CONFIRO SE MINHA FAMÍLIA ESTA EM CASA, QUANDO EU ME DESPEDIR DA VIDA NÃO QUERO IR COM MAGOAS, QUERO TER A CERTEZA DE QUE AMEI E FUI AMADA DE DIFERENTES FORMAS, AOS MEU AMIGOS, nenhuma saudade, apenas a certeza de que vivi e fui feliz ao lado deles. É difícil ver a possibilidade de morrer em um minuto, penso que se eu estivesse lá fora correria riscos...não sei o que acontece... Espero que não tenha feridos, penso que em pouco tempo o que escrevo estará noticiado de outra forma em jornais, falando de vítimas e assassinos, ladrões, entretanto neste momento eu só penso nas pessoas...

Porque a vida tem que se esvair, porque a necessidade de assaltos, porque ferir, machucar, tirar vida... a criminalidade cresce o uso de drogas também, com ele o trafico, pessoas morrem e dizem que vão fecham o foram...

Estamos em terra de ninguém... Agora preciso ir ter noticias do mundo lá de fora...

Estou bem, acabou este capítulo do pesadelo, chuva de tiros, assalto a banco... mas há reféns ainda não sei quem são.

Ficarei bem, tentarei chorar com lágrimas quando chegar em meu quarto ou num banheiro escuro, não quero guardar este sentimento que me aperta o peito, quero na próxima escritura te falar de amor, de um poema ou um sonho bonito, quero uma " Poesia lírica", quero as notas de uma canção, quero dar e receber carinho e proteção, não quero falar de tiros, não quero ver corpos feridos, nem almas dilaceradas, quero uma canção mais bonita. Se eu tivesse partido hoje minhas últimas palavras teriam sido para você.

Quero escrever belas canções para os poemas vivos do meu viver, não um lamento ou canto de dor, por isso continuarei a escrever sempre coisa que desejo viver, mas não estou afastada da realidade, não sou cega vejo o mundo lá fora, as na partitura da sinfonia de tiros não vejo harmonia alguma.

Não esquece: vale cada instante em que estamos juntos, vale a vida, vale os sonhos... vale cada coisa que eu, você, as pessoas que conhecemos, filhos, irmãos, amigos, amores, pais, pessoas próximas, pessoas distantes nos proporcionaram de vida. Façamos valer a vida...

Beijos!

Cris


Desculpe-me os deslizes na gramática neste momento escrevo o que sinto sem tempo para revisão. Viver é como escrever este texto, um rascunho sem revisão.”

6 comentários:

Mislene Lopes disse...

Que triste esta realidade em Satiro!
Muito diferente de um passado distante.
É lamentavel...juro que chorei ao saber e muitos ainda me acham louca por defender aquela cidade!!
Estou arrasada com tudo isso, fico imaginando meus pais alí sem proteção nenhuma.

Toninho disse...

Terrivel esta onda de assaltos em cidades do interior,todos voltados ao Banco do Brasil, é o que tenho visto, pois este banco é o recpetor do dinheiro do INSS e todos os assaltos sao no inicio do mes.As autoridades já eram para ter uma ação nestas datas.Assiti estas cenas repetidas por aqui na regiao da Chapada Diamantina e recente em sul da Bahia mas precisamente ontem.O negocio é inteligencia policial que está a dever esta ação.Estamos na alça de mira sim nobre escritora.A onde de violencia roubou a paz e estamos ilhados, perdidos em nossos nós,atados.Boa critica, mas lá com cá a coisa esta sem ação.Um abraço.

Barrabaz disse...

Poizé, Tom... Muito pertinentes os teus posts. Devemos esclarecer e gritar ao mundo que o "arraial do Junco" hoje chama-se SÁTIRO DIAS. A atual onda de violência que está se desenrolando no nosso município, acredito que seja o preço que o progresso e o desenvolvimento (embora estejam caminhando a passos lentíssimos) estão a cobrar. Imagine quando tivermos as fábricas (prometidas ha séculos) funcionando! Valeu? 'Brigado pelo espaço, forte abraço e até a próxima!

Tom disse...

Conversei com o prefeito ontem à noite. Ela estava retornando de Salvador, onde passou o dia pressionando o secretário de Segurança e o comandante da PM. Vão aumentar o efetivo de policiais na cidade e até o fim do mês vai mais uma viatura zero quilômetro. Só espero que não seja só promessas no calor das balas.

Anônimo disse...

Foi um capítulo de puro terror, medo e indignação o que nos aconteceu. É claro que não é normal de jeito nenhum essas coisas, mas acontece que infelizmente elas têm se tornado comum em vários lugares de nosso país. Mais uma vez, mesmo envolvida por a angústia , minha cara Cristiana expôs o sentimento de muita gente com sinceridade plena!

Anônimo disse...

TOMARA QUE AGORA AS MEDIDAS SEJEM TOMADAS