Um poema de Luís Pimentel com cheiro de infância no arraial do Junco.
De Semeando a terra |
Plantio
É assim que se faz:
com uma enxada pequena
abre-se a cova, também pequena,
acumulando ao seu lado a terra retirada.
De um saco de pano pendurado na barriga
retiramos a semente - de milho ou de feijão -
e a jogamos dentro da cova.
Com o pé empurramos a terra,
que vai cobrir, aninhar, esquentar a semente
até que ela fomente, se inflame, renasça um dia
- como a cada dia em que renascemos.
O trabalho pode ser desempenhado a dois.
E é bem mais interessante quando feito
por um menino e sua avó.
Um menino, uma avó, uma enxada pequena,
uma sacola de pano cheia de sementes
- quase sempre de milho ou de feijão -
pendurado no peito murcho da avó.
As mãos da avó na enxada,
esburacando a terra com tanto carinho
que acho até que a terra nem sentia.
O pé miúdo empurrando a terra
e ordenando ao menino que fizesse sua parte.
Que era jogar com o pé a terra dentro da cova,
cobrindo a semente de milho ou de feijão
ali despejada pela avó,
completando o ritual que - como saber? quem saberia? -
ficaria para sempre na memória.
E em seguida era
torcer pela chuva e acompanhar a gravidez da terra.
E o seu parto, brotando a primeira folha,
promessa do esperado fruto,
e em todos os passos, passo a passo o caminhar da avó,
o seu silêncio do plantio à colheita,
da semente à panela,
o gosto do feijão e do milho,
o cheiro da avó que o tempo levou em covas:
foi assim que se fez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário