domingo, 5 de dezembro de 2010

Manifesto Sururu ressurgiu das cinza




No dia 25 de abril de 2010 recebi o seguinte e-mail de Cláudio Canuto:

“Tom, achei o seu texto sobre o meu artigo. É uma beleza, um retrato sem disfarces e muito acurado da realidade cultural da província. Acho que talvez você possa aproveitá-lo, adaptando-o em artigo, se necessário excluindo a citação ao meu próprio artigo, já que o perdi.

Por seu intermédio, fiquei sabendo que ele foi publicado em 3 de outubro de 2007. Vou tentar acha-lo. Neste caso, publicaríamos os dois: o meu artigo e o seu comentário que, aí, poderia ficar tal veio ao mundo. O que você acha?

A ilustração no texto sobre Prometeu, foi uma grande sacada. Obrigado.”

Cláudio Canuto se referia a um texto publicado no jornal Tribuna de Alagoas, em apoio ao seu artigo no jornal Extra, de Maceió, sobre o Manifesto Sururu, um movimento cultural capitaneado pelo sociólogo, poeta, compositor e músico Edson Bezerra. Infelizmente Cláudio Canuto não pôde cumprir a promessa e levou para o túmulo todo seu desejo de resgatar esse Manifesto que seria tão importante para a Cultura alagoana.

Hoje, no intervalo do jornal local, ouvi a chamada para outro programa que seria exibido logo após o noticiário e qual o quê?! tratava-se de um programa baseado no Manifesto Sururu, e assim vos apresento, diletos leitores deste blog, para que  fiqueis sabendo que a Cultura de Alagoas, em particular, de Maceió, vai muito além da cultura de cana-de-açúcar e do fumo de Arapiraca. 

Em pouco mais de trinta minutos de vídeo há uma verdadeira mistura de música, imagem e história. Também publico o texto ao qual o saudoso Cláudio Canuto fez referência.





DESPINICANDO O SURURU DA CULTURA OFICIAL

“Colonialismo ideológico consciente de alguns intelectuais que moram nas almofadas do poder, abraçando-as, defendendo-as como filhos. (...)”    

Assim Cláudio Canuto inicia o seu introito em manifesta defesa do “Manifesto Sururu”, publicada em um jornal desta cidade, no ano passado, sob o título “Sururu apresenta sua grande couraça”.

Cláudio Canuto, sociólogo, escritor e jornalista, conhece de letra o que é a cultura alagoana, o que é a literatura alagoana e, principalmente, o que é o sururu da Lagoa Mundaú, e ninguém melhor do que ele para avalizar o chamado Manifesto Sururu, um movimento que segue na contramão da cultura oficial das Alagoas.

Apesar da coerência que rege a fundamentação ideológico-cultural do texto em questão, sou completamente cético quanto aos rumos da bandeira levantada em prol da cultura alagoana, haja vista outros projetos de igual teor ter sido jogado na vala comum do esquecimento. Em 2002, o Governo do Estado, em noite de gala, inaugurou uma nova política para a nossa cultura, cuja ação, se posta em prática, tiraria Alagoas do marasmo em que se encontrava e ainda se encontra. Lamentavelmente existiu um longo corredor entre as palavras e as ações e as boas intenções foram enterradas na inanição ou má vontade de seus executores.
Infelizmente os atos evidenciam um fato, embora haja algumas exceções: Alagoas é uma terra de amadores. As políticas públicas para a cultura são amadoras. Os patrocinadores são amadores, os artistas são amadores e os veículos de comunicação conseguem se superar no amadorismo. O artista brinca de ser artista. O Governo brinca de fazer cultura. A imprensa faz de conta que divulga. 

O público, que seria o consumidor final, o cliente a ser cativado, a ser conquistado, de repente se tornou em válvula de escape do mau humor dos dirigentes culturais que atribuem a ele, o público, a culpa pela incompetência gerencial dos promotores dos eventos culturais. No show de abertura do Projeto Pixinguinha, os nossos “promoters” deram uma aula de sandice administrativo-cultural ao colocar o artista roqueiro alagoano Basílio Sé para encerrar um show do grupo Época de Ouro, um conjunto de chorinho e que tem o seu público cativo entre os “jovens” da meia-idade, os saudosistas de Jacob do Bandolim. Outra coisa não poderia ter acontecido, senão uma revoada do povo ao final da apresentação do artista maior, exibindo sorrisos de satisfação pelo reencontro com os anos doirados da década de sessenta. Após uma overdose de saudosismo, não havia espaço nem clima para um outro estilo musical.
Dias depois, dois jornais da cidade publicaram artigos de alguns colunistas envolvidos de corpo e alma com a nossa administração cultural – desconfio até que sejam os verdadeiros responsáveis pela gafe –, criticando e culpando o público pela estupidez de uma carapuça que só cabia a eles, os gerentes culturais. O que fizeram com o Basílio Sé foi de uma sandice contundente, coisa de aventureiros e não de amadores, pois, estes, ao menos se esmeram para mostrar competência e duvido que algum amador, por mais imaturo que seja, coloque a carroça na frente dos bois.

Voltando ao tema central, o problema de certos manifestos é que se limitam ao próprio gueto cultural, ignorando a presença do público lá fora. Salvando as raras exceções, o artista alagoano acha que o público é quem deve ir onde o artista está, e não o inverso. É como se dissesse: “eu me basto”. Cultura, para certos artistas, é o que está ligado ao seu umbigo. Quando mete o pé em um cargo da “viúva”, trata logo de puxar a brasa para sua sardinha. Pensa no individual, em prejuízo do coletivo. Patrocina certas figurinhas do seu círculo de amizade em detrimento do verdadeiro artista, aquele que sobe no palco e expõe sua alma para o público, certo de atingir um objetivo, porém a voz das massas embevecidas e reconhecidas do seu talento não ressoa além dos paredões blindados dos interesses mesquinhos e individuais daqueles que podem fazer acontecer.

Assim, em vez do Marechal Deodoro apear do seu cavalo para que um líder legítimo tome as rédeas da História, conforme o implícito no Manifesto Sururu, vemos o explícito puxa-saquismo de pseudos líderes puxando as rédeas do cavalo de algum marechal de plantão no poder público em total atitude de subserviência e incorporando o servilismo brutal à gente descomprometidas com a cultura alagoana, mas que ocupa cargo por mera indicação política. Quem haverá de se esquecer de um secretário de Cultura que, no discurso de posse, disse: “A única cultura que entendo é a do fumo”?

São pessoas assim que acham que “ópera-bufa” tem a ver com flatulência intestinal, que pululam na nossa cultura oficial. Oxalá o “Manifesto Sururu” não seja apenas um rompante passageiro de indignação de alguns e que, tal qual o molusco nos últimos tempos de matança da poluída Lagoa Mundaú, não se asfixie nos gases venenosos formados pela estagnação das suas traiçoeiras águas.

No presente caso, as águas deslumbrantes e sedutoras do Poder Público.   


        

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