Às vezes, tenho a impressão de que os editores de jornais adoram humilhar estagiários ou focas, como se dizia antigamente. Incumbem os infelizes das tarefas mais esdrúxulas. Deve fazer parte da pedagogia do sofrimento. Um exemplo: no último final de semana, fui procurado por uma jovem (com idade para ser minha neta) repórter que me pediu uma entrevista. Depois de todas as obviedades e sandices que venho repetindo há séculos, não sei que “novidade” poderiam arrancar de mim. Preparei-me para o de sempre. A moça, armada com um minúsculo gravador, perguntou timidamente: O que o senhor faria se acertasse ,sozinho, os números da Mega-Sena? Respondi de bate-pronto: faria todas as besteiras que venho fazendo ao longo da vida e mais algumas, bem sinistras. Desapontada, a cidadã me olhou como se dissesse: “tenha piedade”. Apelei para a filosofice: senhorita, a verdadeira vocação do ser humano é bobagem. Por sorte, somos obrigados a trabalhar, o que nos impede de passar o dia inteiro pensando e fazendo besteiras.
Contrafeita, a repórter arriscou: Como assim? Tentei ser o mais didático possível: filha, basta ler as revistas de fofocas para perceber quantas besteiras os ricos fazem num dia. A razão é simples: como não precisam ralar para ganhar a vida, sobra-lhes tempo para o exercício da bobagem em tempo integral. Percebi que a jovem não estava satisfeita com o rumo da prosa. Parti para os exemplos: não faz muito tempo, morreu uma milionária inglesa. Sabe para quem ela deixou toda a fabulosa fortuna que acumulou? Não sabe? Para uma cadelinha poodle. Até hoje, ninguém sabe se a cachorrinha milionário gastou a grana toda com salmão ou se a distribuiu com os vira-latas de Londres. Visivelmente decepcionada, a estagiária esboçou um sorriso incrédulo. Voltei à carga: moça, você já ouviu falar de um artista plástico chamado Demien Hirst? Naturalmente, não. Eu explico: trata-se de um inglês espertalhão que faz fortuna produzindo e vendendo “esculturas” bizarras para milionários excêntricos. São caveiras cravejadas de diamantes; tubarões conservados em formol e coisas menos nobres. Veja o último golpe dele: vendeu pela bagatela de 18,6 milhões de dólares um bezerro empalhado, com cascos e chifres de ouro. Uma peça kitsch, brega mesmo, para ser mais claro. Um milionário a comprou e saiu feliz da vida.
Pelo ar que fez, percebi que a paciência da candidata a jornalista esgotara-se. Talvez ela esperasse algo mais consequente, edificante. Uma resposta do tipo: fundaria uma instituição para cuidar de crianças carentes, ou construiria um belo museu, etc. Resolvi assoberbar de vez: anote aí, moça: se eu acertasse sozinho os números da Mega-Sena, fundaria uma igreja – Igreja Universal dos Anjos Decaídos da Primeira Hora - com sede em Miami. Abriria sucursais na Ásia, África e América Latina e, a exemplo dos espertalhões que obram milagres em cultos televisionados, triplicaria a minha fortuna enganando os desenganados, como diria o poeta Dobal. Sem se despedir, a jovem foi procurar alguém menos frívolo. Aprender dói!
Nenhum comentário:
Postar um comentário