Eu era menino e vendia laranja na porta do Estádio Municipal Jóia da Princesa, em Feira de Santana, quando vi um Deus bem de pertinho. Em um domingo, o Clube de Regatas Flamengo chegou por lá, em meio a uma excursão que fazia pelo Nordeste, exibindo, além da mística do manto sagrado, um mito do futebol brasileiro: Mané Garrincha encerrava a carreira em melancólicos jogos de exibição.
Ao vê-lo descer do ônibus na porta do estádio, abandonei o cesto de laranjas e me dependurei na mão do anjo das pernas tortas, que caminhou devagarinho ao meu lado até o portão de entrada dos atletas. Despediu-se de mim e de outros meninos que o cercavam com um sorriso que jamais esqueci.
Tive ali meus cinco ou seis minutos de glória.
Chamava-se Manuel Francisco dos Santos, nascido na cidade de Pau Grande, estado do Rio de Janeiro, no dia 28 de outubro de 1933. Ganhou o apelido ainda bem pequeno, da irmã mais nova, porque era miudinho e arisco como o pássaro Garrincha. Sabe-se também que, quando menino, adorava caçar passarinho. Não escapavam os coleiros, nem as rolinhas, sabiás, cardeais, canários, bem-te-vis, zabelês, juritis e, por que não?, garrinchas. Dizem que mais tarde veio a justificar o apelido dentro de campo, pela maneira engraçada com que passava “voando” pelos marcadores, que por mais que o caçassem jamais conseguiam colocá-lo na gaiola.
Começou a correr atrás de bola ainda menino, beirando os quatorze anos, no Esporte Clube Pau Grande – pertencente ao dono da fábrica de tecidos onde tentava aprender a ser tecelão. Não conseguiu, ainda bem. E atrás da bola, com suas pernas tortas, tronchas e arqueadas, uma para dentro e outra para fora, correu por muitos anos.
Atrás da bola e às vezes na frente, diante de zagueiros – e às vezes atrás – de todos os tamanhos e todas as nacionalidades, passou boa parte de sua vida. Jogou três copas do mundo, ganhando duas. Conquistou inúmeros títulos estaduais com a camisa alvinegra do Botafogo, vestiu a camisa rubro-negra do Flamengo no final da carreira, em jogos de exibição, e se perdeu no campo da vida quando a bola deixou de correr à sua frente.
Carregou até o fim dos dias a fama de reprodutor indomável. E teve 13 filhos, com três mulheres diferentes (uma delas, a famosa cantora Elza Soares). Triste, solitário, infeliz e quase sempre embriagado, viveu seus últimos anos entre consultórios médicos, clínicas de desintoxicação e até hospitais psiquiátricos. O fígado e o coração resistiram até o dia 20 de janeiro de 1983. Tinha 49 anos de idade.
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