domingo, 10 de abril de 2011

Luís Pimentel - Histórias de encontros e desencontros

Compaixão

Deu um beijo molhado, alisou seus ralos cabelos, jurou amor eterno e subiu os degraus da porta do ônibus. Pela janela, atirou mais um beijo, encostando os lábios nos dedos e soprando em sua direção. Juntamente com o comentário, cheio de compaixão:

– Não chora, amoreco. Já disse que volto.
– Jura?
– Quem jura mente. E se cuida direitinho, viu?
– Vi.
– Toma sopinha, pega sol da manhã, não sai no sereno.
O ônibus partiu, e ainda bem. Pois o jovem namorado, na poltrona aos fundos, já começava a demonstrar impaciência.

Companhia

Conheceram-se num cabaré da Praça Mauá.

Kátia Cilene fora desonrada à força pelo patrão, expulsa de casa pelo padrasto. Aquela história. Baiano, por sua vez, não tinha história nenhuma. Perdia os dentes e a esperança em canteiros de obras, os poucos sorrisos reservados ao futebol, nas tardes de domingo.

A paixão foi imediata. Pensou que deveria retirá-la daquela vida sem rumo. A outra aceitou a generosa companhia. Até descobrir que Baiano – sequer a curiosidade de perguntar o nome dele – morava num quartinho minúsculo, em Brás de Pina.

Kátia se desculpou com o companheiro, deixa como está, e retornou à Praça Mauá. Morar tão longe do Centro, sabe como é.



Fogo morto

Por anos e anos e muitos anos, o velho José guardou dinheiro no colchão. Fez o rasgo com uma faca, e ali enfiava, em meio ao capim, todas as notas que lhe sobravam após as compras semanais que fazia.

E ninguém sabia. O dinheiro faltava, o dinheiro sumia, o segredo espremido entre o corpo e as notas quentinhas que ele amassava todas as noites.

Morto o velho, os filhos se prepararam para tocar fogo no colchão onde todos nasceram. Ao retirá-lo da cama, a fenda aberta cuspiu capim seco e notas e mais notas amareladas e sem nenhum valor. Juntaram e somaram tudo, talvez fosse suficiente para pagar o caixão. Nem isto. Ninguém queria revelar a usura, exibida apenas no comentário baixo e minúsculo da viúva:

– Tanta fome passada com os meus filhos. Enquanto a vida apodrecia junto contigo, infeliz.



Um comentário:

Anônimo disse...

Histórias tristes e reais.