terça-feira, 24 de maio de 2011

Cineas Santos - Os meninos sanfoneiros

Já escrevi (não sei onde) que os meninos de minha aldeia, no sertão do Caracol, tínhamos um sonho recorrente: ir para São Paulo. Melhor seria: ir a São Paulo, já que não pretendíamos ficar por lá. Na verdade, “a terra da garoa” infundia-nos um misto de fascínio e medo. Mas, como os muçulmanos que não devem morrer antes de visitar a Meca, sertanejo que se preze precisa conhecer “a cidade que não pode parar”, mesmo que seja para morrer atropelado. Mais que uma cidade, São Paulo era o passaporte para muitos sonhos de consumo, o mais caro deles: uma sanfona vermelha, de preferência Scandalli. Por amor à verdade, devo confessar que não era exatamente a música que nos fascinava; a sanfona, acreditávamos, era apenas o caminho mais curto para chegar ao coração das mulheres... Por falta de qualquer instrumento que emitisse som, construíamos nossas sanfoninhas com palha de carnaúba e tocávamos música inaudível para ninguém, ou melhor, tocávamos para nossas musas invisíveis...

O sonho de me tornar sanfoneiro evaporou-se quando vi o Sivuca executando um frevo. Aquilo me pareceu coisa de mágico. Pensei comigo: por mais que eu me empenhe, não chegarei a tanto, e menos que isso não me satisfaz. Sem perder o gosto pela sanfona, desisti até mesmo de tentar. Quanto às mulheres, deixa quieto...

Essas lembranças tão caras me ocorreram ao ver, na semana passada, no meio da Praça Pedro II, dois meninos tocando sanfona como gente grande. Acompanhados por uma banda esperta, Zaqueu da Boa Hora e Sandrinho do acordeom fizeram um show de arrepiar. Tocaram tudo: de Escadaria a Feira de Mangai, com aquele atrevimento que só os moleques abusados têm. Zaqueu começou a tocar antes de perder os dentes de leite; Sandrinho ainda não os perdeu. O primeiro é natural do interior de Boa Hora; o segundo é sertanejo de Dom Inocêncio. Unidos pela paixão da sanfona, fizeram-se amigos, parceiros e tocam como se estivessem dialogando, com alegria, inventividade e, acima de tudo, competência. São os meninos sanfoneiros do Piauí.

Curiosamente, os dois cresceram vendo e ouvindo o chamado “forró de plástico”, com toda aquela parafernália de luz, cor e bundas em profusão. A despeito disso, preferem seguir as pegadas de Luiz Gonzaga, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Osvaldinho, Camarão e outras feras batizadas. O cantor Chico César pode ficar sossegado: o “forró de plástico” é um modismo com prazo de validade vencido; o forró autêntico, puxado a sanfona chiadeira continuará sendo o sonho dos meninos sertanejos. Zaqueu e Sandrinho que o digam!






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