segunda-feira, 6 de junho de 2011

Conversa de Botequim


– Garçom, dois “chopiisss”!
– O meu sem colarinho branco.
– Tudo bem com você? Faz um tempão que não lhe vejo.
– Ando sumido do mapa mesmo. Depois que terminei os estudos voltei a morar no interior, com meus pais. Queria fugir do caos urbano, mas quem disse?! Lá tá pior do que aqui. Uma barulheira infernal, traficante andando pra cima e pra baixo na maior tranquilidade e o pau comendo no couro da população.
– A minha cidade também está assim, por isso nem me arrisco a pôr os pés lá. Depois que a droga se globalizou não tem essa de lugar pequeno não ter viciado não. É maconha, é crack... só não tem cocaína porque custa caro e o povo de lá vive eternamente duro.
– É justamente pela dureza que tudo descamba pra violência, pro roubo, pro latrocínio. Virou moda se roubar ou até mesmo matar os velhinhos no dia do pagamento da aposentadoria.
– Pior é que não tem polícia. E, quando tem, os policiais também estão envolvidos no ilícito. Todo dia a gente vê na tevê policial sendo preso.
– Também não adianta prender porque logo, logo um juiz manda soltar. Viu aquele jornalista que matou a namorada? Réu confesso, foi julgado, condenado, e somente doze anos depois foi preso.
– Isso é que dói. Lembra daquela mãe que pegou dois anos só porque roubou uma lata de leite pra dar pro filho faminto? Ainda continua presa.
– A Justiça no Brasil não é justa. Mas mudemos de assunto: e o resto da turma? Nunca mais tive notícias de ninguém.
– De vez em quando encontro um e outro vagando por aí. Alguns seguiram em frente com os estudos, outros estão trabalhando na informalidade e outros arriscam a sorte grande, como o Machado. Lembra dele?
– Como não haveria de me lembrar do Machadinho? Certa vez queria brigar porque eu disse que ele não podia ver um pau em pé.
– E você queria o quê? Chama o cara de viado...
– Não foi isso. Quem é que corta pau? O machado. Levei séculos explicando isso a ele.
– Ah! Sim.
– Ele vivia dizendo que ia se dar bem na vida.
– E parece que vai. Da última vez que o encontrei, ele me disse que estava empenhado em entrar para Academia Brasileira de Letras.
– Brasileira de quê?!
– Letras! Aquele lugar onde deram uma condecoração a Wanderley Luxemburgo e Ronaldinho Gaúcho.
– Ah! A CBF...
– Não, jumento! Vai pro interior e esquece tudo. A ABL. Aquela casa que reúne os melhores escritores do país.
– E Ronaldinho Gaúcho escreveu um livro?
– Não escreveu e nem vai escrever. Aliás, ele mesmo disse que nunca leu um livro. Mas disseram que um escritor famoso lá da academia morreu e era fã de Ronaldinho Gaúcho. Aí lhe fizeram essa homenagem póstuma. Mas eu acho que os escritores da tal academia queriam mesmo era ficar bem na fita depois que andaram falando mal de um livro sem terem lido o livro.
– Oxente! E escritor agora é adepto do “não li e não gostei”? Quem falava assim era uma tia minha, que se achava muito importante. Já o meu avô dizia que não devíamos falar daquilo que não conhecemos. Nem falar bem, nem falar mal. O que não se conhece, desconhecido é, dizia ele.
– Pois é. Nem todos de lá tiveram um avô sábio igual ao seu. E a academia ficou numa situação vexatória. Aí inventaram essa de condecorar um cara que nunca leu um livro.
– Isso me lembra o Machado. Desde quando ele virou escritor? Nunca soube que tivesse escrito um livro. Aliás, ele sempre tirou nota baixa em Redação.
– E ele não escreveu livro nenhum.
– Como que não?! E como é que ele quer entrar pra essa tal de ABL? Não tem que ser escritor pra entrar pra lá?
– Aí é que tá: o critério deveria ser esse. Mas não é assim que funciona. Hoje, o principal critério é ser funcionário da Rede Globo e o Machado já conseguiu espetar um crachá dessa empresa no peito.
– Deus do Céu! Garçom, passa a régua rapidinho que vou voltar pro interior!


Um comentário:

Toninho disse...

Perfeita criação na critica ferrenha da majestosa ingloriosa com todos seus marimbondos,dos quais fujo sempre,deitando e rolando na terra ou me jogo no riacho que outrora tinha agua.
Um abração Tom,gostei.