sexta-feira, 15 de julho de 2011

Cineas Santos - Pato, Ganso, Catatua e Caterva

A seleção brasileira de futebol participava de uma competição e, a exemplo do que está ocorrendo agora, ia muito mal das pernas. Certeiro como uma bala perdida, Millôr Fernandes disparou: “Se eu fosse tratado como esses rapagões e não pintasse pelo menos uma Capela Sistina por semana, eu me sentiria um incompetente”. Mais que uma bela sacada humorística, o filósofo do Méier botou o dedo na ferida: nunca antes na história da humanidade (com a devida licença do Lula), os jogadores de futebol, digo, as estrelas do futebol receberam tratamento tão diferenciado. Hoje, mais que atletas, esses bravos rapazes são tratados como deuses. Além de salários astronômicos, têm treinadores, fisioterapeutas, massagistas, nutricionistas, psicólogos e, principalmente, mulheres. Mulheres de todas as cores e versidades, com a prevalência das louras oxigenadas, naturalmente. As chuteiras, por exemplo, são moldadas e construídas sob medida para se ajustarem aos pés desses seres iluminados como luvas de cirurgião. Em campo, com raríssimas exceções, comportam-se como bisonhos cabeças-de-bagre: erram jogadas que os moleques entanguidos, nos campinhos de monturo, executam com eficiência e alegria. O que estaria acontecendo?

Para um entendido, “o futebol modernizou-se e passou a exigir desses superatletas, além de excelente preparo físico e técnica requintada, atitude”. Eis aí a palavrinha mágica: atitude. Com ela, podem-se abrir até as portas do Valhala. Dia desses, ouvi de um desses sábios de plantão o seguinte comentário: “Hoje, o Garrincha seria um estorvo num time como o Barcelona, que valoriza o futebol coletivo e de resultado”. Falta-me autoridade para contestá-lo. Particularmente, o que me surpreende é o fato de esses meninos ricos ainda encontrarem algum alento para jogar futebol, esporte que, às vezes, exige “sangue, suor e lágrimas”. Tomemos o exemplo de Neymar, recém-coroado pela Veja como “REYMAR. Aos 19 anos de idade, louvado como “um craque da linhagem de Pelé”, o garoto fatura pelo menos um milhão de reais por mês. Segundo o publicitário Washington Olivetto, “Neymar é o melhor exemplo do fute-pop-bolista, cruzamento de futebolista com artista pop , que une a habilidade de um craque com a irreverência de um artista. Esse perfil tem uma abrangência muito grande de negócios”. Tá explicado, não? O moleque entra em campo como um verdadeiro outdoor. Independentemente do que fizer durante o jogo, precisa sair bem na fotografia. A revista mais endireitada do país testifica: “Neymar não é um fenômeno só nos gramados. Dono de um senso de marketing inato, inventou um estilo e diverte-se manipulando a própria imagem (...), fica diferente de todos, todo mundo o adora, e ele é chamado para vender de celular a mortadela”. Consta que este novo Midas tem mais de um milhão de seguidores no Twitter. Com tantos penduricalhos a exibir e tantos negócios a administrar, é possível jogar futebol? Tenho minha dúvidas.

Estou escrevendo este arremedo de crônica antes do jogo entre Brasil e Equador, cujo resultado será decisivo para a permanência da seleção na Copa América. Seja qual for o placar da partida, mantenho tudo o que afirmei aqui. Nunca imaginei viver o bastante para ver um técnico da seleção brasileira protagonizando um comercial de cerveja. Não é preciso ser especialista em nada para saber que bebida alcoólica não combina com esporte, a não ser com arremesso de bagana. Sem perder a fleuma, o senhor Mano Menezes tenta o que parece impossível: fazer o Ganso e o Pato alçarem voo. Quanto a Neymar, com seu cabelo moicano, entrou na competição como rei, mas já está sendo carinhosamente apelidado pela galera de “cacatua ciscadeira”. Pena que já não se leiam os poetas: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”.


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