quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Conduzindo Mr. Audálio


A bienal do livro das Alagoas acabou no fim, mas certamente não foi o “the end”. Como sugere o próprio nome, daqui a dois anos haverá outra, tão boa quanto esta, apesar dos contratempos previstos nesses eventos de grande concentração de público. Havia de tudo um monte: gente importante, gente desimportante, gente anônima, e até indignos em busca do apreço perdido. A criançada fez a festa, mesclando brincadeira e cultura.

Os atores foram muitos e plurais. Atrações para todos os gostos, do cordel (que não era encantado) aos clássicos gregos; dos fardões da ABL aos simples principiantes. Palestra para pretendente a escritor, professor, jornalista, enfermeiro, historiador, padre ou aprendiz de cangaceiro.

Melhor escolha não poderia ser do que Audálio Dantas para patrono dessa bienal (ou “patrimônio”, como disse um jovem locutor do interior). Quem não conhece a vida pregressa desse cidadão, devo informar, sem incorrer no puxa-saquismo, que ele é uma das pessoas mais íntegras que já conheci, cuja democracia brasileira deve muito a este alagoano, que saiu pequeno da pequena Tanque d’Arca, sua terra natal, para reescrever a História do Brasil.

Jornalista, escritor, ex-coroinha, devoto de Padre Cícero Romão Batista, lulista convicto desde as históricas greves do ABC, escreveu a infância de Lula, de Maurício de Souza, Graciliano Ramos, Ziraldo, Rachel de Queiroz, Ruth Rocha (escreveu tanto sobre infância de gente importante que o Vaticano quer contratá-lo para escrever a “Infância de Jesus Cristo”) sobre o chão de Graciliano, sobre jornalismo e agora está prestes a lançar, pela Record, o livro-bomba sobre Vladimir Herzog, o Vlado da Clarice e de muita gente boa - inclusive meu irmão -, que morreu de tanto apanhar dos carniceiros revolucionários de 1964. Nesse episódio de triste lembrança, Audálio meteu a cara na frente das baionetas exigindo justiça, sem medo de se tornar mais um dos “suicidas” da Ditadura. Só por isso ele já merecia toda nossa devoção, mas só arrefeceu o brado libertário quando os militares se curvaram à Lei de Anistia Política, em 1979. 

Marido exemplar, pai carinhoso e amigo leal, que mais qualidades podem faltar a um ser humano? Por sua amizade, os alagoanos puderam ouvir os midiáticos Fernando Morais e Ricardo Kotscho, uns deuses do jornalismo brasileiro, cujas agendas vivem lotadas de compromissos. Foi por amizade que Fernando Morais desistiu de viajar para Recife de avião, no domingo, para encarar os perigos da estrada, na segunda-feira, por uma BR-101 totalmente conturbada pela duplicação. E só fez uma exigência: carro com ar condicionado. Qualquer carro. Tão diferente desses e dessas globais que só aceitam tratamento “roliudiano”. Ricardo Kotscho e sua consorte (ou sem sorte mesmo) Mara, que também voltariam no domingo, adiaram para o dia seguinte, e assim formaram o tripé dos maiores consumidores de sururu no fim de semana nos restaurantes da Massagueira. Como dizem que sururu é afrodisíaco, os três viajaram na segunda-feira pensando em aumentar a família. Mariana, a filha caçula de Audálio e que o acompanhou nesse périplo bienaleiro juntamente com Vanira, a esposa, encostou o pai na parede e exigiu:

– Paizinho, eu quero um irmãozinho!

Para variar, a culpa é da mulher:

– Sua mãe já passou da idade... – respondeu.


Na bienal de Pernambuco, dois anos atrás, eu disse a Raimundo Carrero: “Você está sendo um patrono exemplar. Todos os dias você se faz presente”. Na despedida do Audálio, no saguão do hotel, uma das envolvidas na bienal me confidenciou: “Ele foi o único patrono que compareceu à bienal todos os dias”. Pois é. Que fique o exemplo para o próximo patrono. 

No estande da Academia Alagoana de Letras, cujos acadêmicos muito honram a literatura alagoana – a exemplo de Fernando Collor de Mello que nunca escreveu um bilhete, quanto mais um livro –, Audálio Dantas anunciou sua pretensão em entrar para a tal Academia. Falei alto para me fazer ouvir:

– Audálio, escolha qual cadeira você quer que amanhã mesmo providencio o enterro do desinfeliz! Basta dizer o nome que já estou com ódio dele!

Os notáveis das letras alagoanas me olharam num misto de incredulidade e medo, talvez a se perguntarem quem era o doido. Mais tarde, depois de deixar Audálio no hotel, fui jantar com um amigo e, ao adentrar o restaurante, encontrei um acadêmico. Acenei para ele, ele acenou para mim, e amarelou depois que me reconheceu. Certamente pensou lá com seus botões: "Será que o Audálio escolheu a minha cadeira na Academia?"

Há que se dar a César o que é de César: o radialista interiorano não foi de todo infeliz em sua colocação. Muito antes de ser patrono da bienal alagoana do livro, Audálio Dantas já era Patrimônio Vivo da Democracia. 

Se isto não existe, passa a existir a partir de agora.


4 comentários:

Toninho disse...

MUito boa amigo,ficou excelente este conduzir Mr.Audalio.Oxalá possa ir na proxima Bienal das Alagoas.
Um abração e muita paz e alegrias.

Susana Ventura disse...


Crônica supersaborosa lembrando quem merece ser lembrado. Viva Audálio! Audálio para imortal (está bem em tempo).
E que venham novas Feiras Literárias em 2014, 2015, 2016, com gente tão bacana, festeira e de verdade.
E com Tom no posto de cronista da Festa.
'De tudo um muito', diz o cronista - mas muito de tudo o que é bom!!!
Susana Ventura

Susana Ventura disse...


Crônica supersaborosa lembrando quem merece ser lembrado. Viva Audálio! Audálio para imortal (está bem em tempo).
E que venham novas Feiras Literárias em 2014, 2015, 2016, com gente tão bacana, festeira e de verdade.
E com Tom no posto de cronista da Festa.
'De tudo um muito', diz o cronista - mas muito de tudo o que é bom!!!
Susana Ventura

Tom Torres disse...

Obrigado, Susaninha.