quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Cineas Santos - Insólita visita

Parafraseando Fernando Pessoa, sem querer saber de mim, a manhã seguia seu curso. Eis que, sem aviso prévio, adentram meu escritório duas figuras, em quase tudo, distintas: Ogier da Silva e Kenard Kruel. Em comum, os dois têm apenas os nomes exóticos e os sonhos imensuráveis. Impossível não associá-los à dupla mais famosa da literatura ocidental: Dom Quixote e Sancho Pança. Pequeno, magro, encurvado, Ogier parece transportar nos ombros o peso de um sonho maior que suas forças. Imenso, rotundo, transbordante, Kenard grita ao mundo: Não se preocupe, cheguei!

De Ogier, eu sabia apenas tratar-se de “um visionário” que, há mais de 30 anos, tenta construir um castelo medieval no meio do nada. De Kenard, sei quase tudo. Sei, por exemplo, que ele e o ex-governador Alberto Silva não podiam dormir no mesmo horário: a noite não comportaria os sonhos dos dois. Como sofre de apneia do sono, Kenard Kruel não dorme nunca; sonha de olhos abertos, em tempo integral. Dublê de jornalista, advogado, editor e produtor cultural, ultimamente, vem editando livros imensos sobre os notáveis do Piauí.

O certo é que, na manhã de segunda-feira, dia 12, Kenard e Ogier resolveram passar na Oficina da Palavra para tomar um cafezinho. Os dois vinham de uma exaustiva peregrinação por gabinetes de políticos, redações de jornais, escritórios de empresários. O solitário construtor parecia cansado, meio abatido; o frenético editor estava aceso. Antes de qualquer conversa, sacou da algibeira a “boneca” de mais um livro no qual narra as aventuras de Ogier Silva. Umas 300 páginas, no mínimo.

Ogier vive como um ermitão em seu castelo inacabado no município de Altos. Aos 67 anos de idade (aparenta bem mais), sobrevive com o que recebe de sua magra aposentadoria. Segundo seus cálculos, já enterrou uns 700 mil reais no castelo que pretendia inaugurar em 2014. O problema é que, com a assessoria do Kenard, o castelo passou a ser apenas parte de um projeto muito mais ambicioso: a construção de uma cidade medieval na qual todos os moradores efetivamente vivam como aldeões, trajando roupas e usando ferramentas da Idade Média. Para o próximo ano, já está idealizando um torneio de arco, flecha e besta (bésta, irmãos). Antes disso, pretende inaugurar, o mais breve possível, uma taverna onde serão servidos pratos exóticos (javali, caititu, faisão) e bebidas fortes, destiladas.

Nesse ínterim, apareceu o escultor Carlos Martins que adora construir esculturas monumentais. Em poucos minutos, os três discutiam animadamente a construção de um dinossauro com mais de 30 metros de comprimento no meio de um lago artificial. Contagiado pela empolgação do trio, resolvi participar da viagem: dei palpites, apresentei sugestões. Por sorte ou azar, as contas vencidas me obrigaram a aterrissar. Não fosse por isso, eu já estaria integrando a trupe dos três mosqueteiros que, como se sabe, eram quatro. Fui salvo pelas contas!


Nenhum comentário: