Era véspera do dia 08 de março e não me lembro o ano. Dava aula em Massagueira, distrito de Marechal Deodoro, município vizinho a Maceió, e havia um micro-ônibus da Prefeitura que fazia o transporte dos professores de Maceió a Massagueira, e levava, no máximo, meia hora de viagem. Apesar de curto, havia tempo suficiente para surgirem discussões diversas, piadas, fofocas e outras coisitas más. Nessa viagem o assunto foi “mulher”.
Um professor comentou:
- Pessoal, amanhã é dia da mulher, os homens precisam estar atentos, pois em Maceió cada um tem direito a três mulheres. Lembram da música, “Ô Maceió, é três mulé prum homem só...” Então, as mulheres não podem querer exclusividade, senão, como ficam as outras? Não há dúvida, cada homem tem direito a três mulheres, não acham?
As reações eram as mais diversas, alguns riam, outros contestavam e alguns silenciavam ou ignoravam. Vendo-me calada no meu canto, o professor me perguntou de forma irônica:
- Não acha que estou com razão, professora? Se temos direito a três mulheres por que ficarmos apenas com uma? Não temos culpa se em Maceió tem, no mínimo, três mulheres pra um homem só.
Quem pergunta o que quer, ouve o que não quer, já dizia a minha mãe. O nó atravessado na garganta se desfez e respondi procurando não me exaltar:
- Já que me chamou na conversa, sinceramente, acho que dificilmente um homem tem energia suficiente para dar conta, a contento, de três mulheres. Mas não é essa a principal questão. A questão é estatística, ou seja, é possível que em Maceió possa haver um percentual de três pessoas do sexo feminino correspondente a cada pessoa do sexo masculino. Você já parou pra pensar se essa estatística não é por idade ou por padrão físico? Ou você pensa, ilusoriamente, que são três mulheres para cada homem do tipo Carla Perez? Já parou para pensar que sua mãe, sua avó, suas tias, suas sobrinhas, primas, irmãs, etc., fazem parte dessa estatística? As meninas que nasceram hoje também podem estar supostamente contadas, assim como as adolescentes que dormem nas calçadas de Maceió e outras cidades, as idosas nos asilos, e assim vai. Como está a atenção dada a sua mãe e irmãs? Tem sido atencioso, carinhoso e gentil com tua mulher? O que espera conquistar da mulher que compartilha a vida?
O professor baixou a crista no meio da vaia dos colegas, envergonhado ou talvez arrependido de ter me envolvido na conversa. Falou sem jeito:
- É... Nunca havia pensado dessa forma, mas, como não posso mudar o mundo, não dou moleza, tem muita mulher precisando de carinho e eu estou aqui pra dar.
- Então, na pior das hipóteses, você fica sabendo o que penso a respeito. Infelizmente há gente pra tudo, inclusive para não saber se dar valor.
O silêncio do motor do micro-ônibus pôs um ponto final na conversa. Aproveitei o episódio para debater em sala de aula a visão equivocada do refrão da música de Djavan.
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