terça-feira, 27 de março de 2012

Maria Helena Bandeira - Amores sem cheiro


Por que os amores virtuais são tão intensos? Esta é uma pergunta que me impressiona quase tanto como a que indaga sobre a razão de nos apaixonarmos por determinada pessoa em especial e não por outra, mais adequada.

Nossa alma divaga por caminhos suburbanos, entra em estadas vicinais e desemboca em atoleiros atrás de um sorriso, uma voz, um detalhe que nos impressiona. Feromônios? É possível, talvez sejamos compatíveis com determinados odores especiais, em escala não percebida pelo olfato habitual. Isto explicaria parte da questão. 

Mas... e a paixão virtual? A capacidade de se envolver amorosamente, através de relações micro a micro ou telefônicas, sem que haja a menor probabilidade de viagens feromônicas? O que leva as pessoas (e tenho conhecido muitas, homens e mulheres) a se envolver, não apenas afetivamente, não apenas platonicamente, mas eroticamente, passionalmente, com outras que nunca viu?

Uma explicação possível e lógica seria uma volta à adolescência. Na Net somos todos atemporais, sem idade, a virtualidade nos permite escolher o rosto e as características que desejamos. Nada mais natural do que o desejo de retomar um período de descompromisso, em que o amor, ele mesmo, era assim, uma viagem narcísica, um perambular pelas emoções easy rider, um caminho Gideano do prazer pelo prazer. Neste sentido a explosão passional virtual seria a redescoberta de um erotismo juvenil ainda centrado no próprio umbigo.

Outra explicação mais óbvia seria a da solidão. Neste mundo em que as pessoas convivem, mas não compartilham, em que solidões a dois, três e quatro, são freqüentes e repetidas, a Net é um paraíso de iguais que se encontram, trocam os sonhos reprimidos do travesseiro pelo mais excitantes da tela, onde existe uma respiração e uma carne do outro lado, não apenas espuma e macela, mas bocas imaginadas e sexos sugeridos.

Masturbação a dois, é verdade, volta ao Eros primitivo em que o objeto de amor era proibido e distante ou próximo e semelhante. Mas existe outra explicação mais romântica e menos científica, uma explicação que ultrapassa a mera condição do humano biológico ou psicológico – a fantasia imbatível.

De nenhuma outra maneira o amor pode ser mais perfeito, sem falhas, completo e absoluto do que na vida virtual. Porque é não existente no real. O real é sempre partido, incompleto, falho. O sexo virtual, como a bailarina do Chico, não tem espinhas, chulé ou estrias. Não tem imperfeições nem desenganos. É sempre iluminado no seu palco principal - a imaginação que tudo pode. Nele somos o que desejamos e amamos a quem criamos. Não uma pessoa real, mas um personagem, uma divindade do nosso olimpo particular.

Por isto a força absurda das relações que através deste não-limite se criam, por isto a carga poderosa de energia descarregada através dos bytes eróticos. E pela mesma característica, os amores virtuais não são duradouros – ou se transformam em amores reais, numa outra instância de relacionamento (o que raramente acontece, justamente porque competir com a fantasia é difícil) ou se desfazem como a espuma dos sonhos, transformados em texto já lido e que perdeu o sabor da novidade. Ficará a lembrança de algo inexplicavelmente forte, um raio sobre a planície, deixando apenas o eco cada vez mais longínquo dos trovões.

Amores virtuais são uma das faces da infinita capacidade do homem de criar e acreditar no que cria.


Um comentário:

Toninho disse...

Belo toque numa ferida aberta que sangra.O amor virtual e a solidão no meio da multidão.A reflexão é perfeita nesta busca na infancia/juventude,como um elo perdido.
Muito bom texto.
Meu abraço Tom.