domingo, 3 de fevereiro de 2013

Cineas Santos - Nem a dor cala o preconceito



                         
         No último domingo (27/01), fui acordado por meu filho com uma notícia que, além de me estragar o dia, me deixará triste por muito tempo: a tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Inicialmente, as informações disponíveis sobre, eram truncadas, confusas, imprecisas. Falava-se em 91 pessoas mortas, o que já seria um número assustador. Aos poucos, as coisas foram piorando até chegar à cifra inacreditável: 234 vítimas fatais.

         A grande imprensa, notadamente a televisiva, montou acampamento na cidade gaúcha e, a cada minuto, mostra uma imagem mais chocante que a outra. Gestos de heroísmo, de solidariedade, de desespero, dor. Parece que ainda há mais sofrimento a caminho...

          No rescaldo do incêndio da casa de shows Kiss, sobram culpas, mas parece faltarem culpados. Para dar satisfação à opinião pública, já foram presos dois dos proprietários da boate e dois músicos que, segundo dizem, são apenas “operários” da banda Gurizada Fandangueira. Nada além. Ainda não se falou do descaso da Prefeitura de Santa Maria nem da responsabilidade do Corpo de Bombeiros. O certo é que a casa vem funcionando, desde sua inauguração, com apenas uma porta, o que contraria todas as normas de segurança vigentes no país. A tendência é que se fragmentem as responsabilidades, até reduzi-las a unidades insignificantes. Os mais fracos, naturalmente, ficarão com a parcela maior.

         Mas tudo isso já é sabido e consabido. O que mais me chamou atenção, neste episódio feito de descaso e dor, foi o comportamento de alguns internautas. Como a maior parte das vítimas era constituída de jovens, as redes sociais entraram em ebulição: milhões de mensagens foram postadas nas redes sociais disponíveis. Uma cidadã, que atende pelo nome de Patrícia Aible, postou o seguinte comentário: “Muito triste. Não pode ser verdade... 70 mortos e pode chegar a 90? Meu Rio Grande do Sul não merece isso. Se fosse no AMAZONAS, no PIAUÍ, na BAHIA, no CEARÁ, onde não há vida inteligente, tudo bem... mas no Rio Grande  e logo na cidade do meu falecido pai é de cortar coração. Estou de luto, Diamante do meu Brasil. Não tá morto quem peleia! AVANTE RIO GRANDE, CÉREBRO DA NAÇÃO”. Pode-se argumentar – e com razão – que a mensagem é tão estúpida que não merece comentário. Parafraseando a passagem bíblica, estúpidos e cretinos, sempre os tereis convosco.

         Mas vejamos isso: “Nas duas horas e meia de percurso entre Davos e Zurique, sem internet para ver mais flashes, decretei que não era no Brasil. Só podia ser mais uma tragédia africana ou asiática”. Não se trata de mais um comentário inconsequente de um dos  “desmiolado” da net; trata-se de um fragmento do artigo “Dor Definitiva”, do respeitado jornalista Clóvis Rossi, publicado na Folha do dia 29/01.  Da tragédia, podem-se tirar muitas lições. A mais triste delas é a seguinte: na alegria e na dor, o preconceito acaba se manifestando até onde menos se espera.


        

Um comentário:

Normeide Rios disse...

O preconceito assemelha-se a uma erva daninha: além do estrago que provoca, é difícil de combater e erradicar, pois está sempre brotando em outro lugar. Praga da humanidade.