Reencontrei Jesus dia desses, num
barzinho. O conheci criança pequena e provinciana, no interior da Bahia. Nascera de sete meses, em um dia 25 de
dezembro, e foi um sufoco para escapar das mazelas de uma infância pobre – diarreias
constantes e falta absoluta de leite nos peitos mirrados da mãe. O nome sagrado
veio da promessa que os pais fizeram, nas preces pela salvação do filho. Como o
homônimo famoso, o nosso Jesus também viera ao mundo em um lugar chamado
Nazaré. No caso, Nazaré das Farinhas.
Jesus era um menino atormentado.
Pequenino, tinha o hábito de bater com a testa na parede, até sangrar. A quem
perguntasse o porquê do autoflagelo, respondia: “Porque quando para é bom
demais, é divino”. A mãe do menino também se chamava Maria, que nem a mãe do
outro. E o pai era José. Mas não era nenhum carpinteiro pacato, capaz de puxar
um burrico na travessia do deserto. O José de Nazaré das Farinhas era motorista
de caminhão, gostava muito de uma cachaça e volta e meia dava uns sopapos na
mulher. Jesus tomava o partido da mãe, e volta e meia também sobravam uns catiripapos
para ele também.
Jesus era um menino malcriado. Ao
contrário do homônimo bíblico, jamais perdoou, só conseguia amar a comida e o
dinheiro (que subtraía do pai) e afrontava os 10 Mandamentos também roubando
bolas de gudes, desrespeitando pai e mãe e matando passarinho.
Jesus era um menino surpreendente. A cena
que ficou para sempre nas escrituras mundanas da cidade aconteceu numa véspera
de Natal. Portanto, véspera do seu aniversário. Jogava bola com os amigos no
campinho que tinha nos fundos de sua casa, quando a voz estridente de dona
Maria, que não era nenhuma santa, ecoou nos dois travessões:
– Jesus, capeta! Venha cá!
Jesus odiava ser chamado de capeta. Também
odiava que interrompessem a pelada:
– Quiquié?! – berrou de volta.
– Preciso que você vá até a padaria,
comprar pão para as rabanadas do Natal e do seu aniversário!
O capetinha pegou pesado:
– Vou não! Não está vendo que estou
ocupado com o jogo da bola? Por que a senhora mesmo não vai?
Maria apelou, o que todo mãe faz nessa
hora:
– Ah,
ingrato! Ah, mal-agradecido! Maldita
hora que te carreguei nove meses no meu bucho.
A resposta ficou no Alcorão de Nazaré,
repetida por professores de história e guias turísticos:
– Está alegando, minha mãe?! Está
alegando?! Entre no meu bucho, que lhe carrego um ano!
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