Desde muito pequeno, sofro de uma
enfermidade bastante grave: incontinência verbal. Falo muito além do necessário
e, como qualquer falastrão, acabo dizendo bobagens. Acidentalmente, digo coisas
que deveriam ser levadas a sério, mas quem daria crédito a um boquirroto? Um exemplo: há uns 30 anos, numa aula de
redação, conversávamos sobre a má distribuição da renda no Brasil. Lá pelas
tantas, afirmei: as elites brasileiras (a expressão estava na ordem do dia) têm
sido bastante competentes na defesa dos seus interesses. Desde a época das
capitanias hereditárias, governam o país como se estivéssemos na Idade Média. Aos
bem-nascidos, tudo; aos outros, as sobras gerais. A despeito disso, também
cometem erros graves. No meu entender, estão subestimando o poder dos meios de
comunicação de massa, notadamente o rádio e a TV. (à época, não existiam as
redes sociais). Em curto espaço de tempo, os desvalidos não se contentarão com
as migalhas atiradas da mesa da casa grande. Se essa gente se insurgir contra a
“ordem estabelecida”, as coisas poderão complicar-se. A insurgência, por uma
série de razões, começará no Rio de Janeiro. Por oportuno, uma observação: um
ex-aluno, que assistira àquela aula, publicou o que estou afirmando no jornal Diário do Povo.
Pouco tempo depois, li uma entrevista
com o sociólogo Marcos Alvito, autor de “As cores do Acari”, na qual ele
afirmava que os filhos dos favelados, ao contrário dos pais, já não se contentam
com o rádio, a televisão, a geladeiras e outras pequenas “conquistas”. Querem
mais, muito mais.
Infelizmente, os dois estávamos
certos. A moçada da periferia resolveu demonstrar que os Titãs tinham razão: “A
gente não quer só comida/a gente quer comida/diversão e arte”. De repente, como
uma torrente incontrolável, resolveu ocupar todos os espaços: praias, ruas, praças
e, agora, “o espaço seguro” dos shoppings.
Com a utilização das redes sociais, mobilizam-se e derrubam a última muralha a
separar os bem-nascidos da ralé. Os
“rolezinhos” estão tirando o sono de muita gente: comerciantes, industriais,
governantes. A classe média está em polvorosa. Quando questionada, a molecada recorre
à Constituição que garante a todos o direito de ir e vir. Não há como impedi-la
de circular livremente sem o uso da força.
Não quero bancar o profeta do
apocalipse, mas podem apostar que este ano o bicho vai pegar: a combinação copa
do mundo + eleições é nitroglicerina pura, como afirmava aquele ministro que (como
direi?) papava a colega de ministério. Não fosse ano de eleição, a polícia
desceria o porrete sem pena nem dó. Mas, à cata de votos, que candidato vai querer
assumir o papel de truculento? Por falta de coisa melhor, deixo aqui a sugestão
para o título de um documentário: a hora
e a vez dos que nunca tiveram voz nem vez. Quem sobreviver, verá.
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