sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Tia Terezinha, a octogenária


Tia Terezinha foi mais que uma tia na minha infância: foi uma mãe que dava guloseimas em vez de cascudo. Ela morava na rua e a gente na roça. Tinha três filhos com a idade próxima à minha e a do meu irmão Décio: Fátima, Paulo e Arizio, este último, dizia-se à boca miúda, ser o capeta em forma de gente de tanta confusão que arranjava. Era dez vezes pior que Jesus de Enock, outro da nossa turma que acusavam de ser “o Cão chupando manga”.

Durante o tempo que morei no velho Junco, ou estava na sua casa, ou os meus primos estavam lá na roça. Quando nos mudamos para Alagoinhas, a pacata população disse “oooohhh!”, de alívio, mas não contava com nossas idas nos finais de semana e feriado escolar, e também não podia se queixar ao delegado, que, por um acaso, era o nosso avó materno.

Dizem os sábios religiosos que Deus protege os inocentes dos males do mundo. No nosso caso, nos protegia de Arizio quando ele resolvia encrencar com alguém. Quando isso acontecia, geralmente a gente estava longe, mas nosso tio Adauto chamava o quarteto no pito e haja lição de moral e do bom costume. Arizio, o provocador, ficava ileso, não pagava nenhum castigo, mas quando a notícia chegava aos ouvidos da minha mãe, ela não queria nem saber dessa conversa de elefante não ser dono de circo: metia a ripa na gente. “Se andam com Arizio, então são cúmplices das safadezas dele!”, dizia, sem perder o fôlego.

Um dia, sem querer, viramos adolescentes. Para o bem da gente de bem do velho Junco, Arizio criou juízo, Décio foi estudar no Rio de Janeiro e eu comecei a trabalhar no armazém de secos e molhados do meu tio Edgard. Um ano depois este meu tio comprou uma loja de móveis e chamou Paulo para trabalhar lá. E Paulo ficou morando conosco. Foram os meus melhores dias da minha adolescência, pois a gente aprontava miséria em Alagoinhas.

Em uma bela manhã de domingo, estava jogando dominó na sala com Paulo e outros amigos, quando tia Terezinha irrompeu porta adentro anunciando sua presença. Grávida, ia acertar o parto com o obstetra, no dia seguinte. Depois de dar notícias da terrinha, disse que estava sem saber que nome dar à filha que ia nascer.

- Coloca Simone, tia. Tá na moda agora batizar os filhos com o nome dos personagens de novela. E Simone tá fazendo muito sucesso.
- Não sei se Adauto vai querer. Ele estava pensando em Adriana.
- Então coloque Adriana Simone.
- Gostei.

Depois de um breve silêncio, olhou para Paulo e falou:

- Paulo, como você está magro!
- Isso é de tanto descascar banana verde, tia – brinquei.
- Descascar banana verde?!
- Sim. Covardia: cinco contra um.
- E Paulo anda brigando?
- Não, tia. Ele está magro de tanto puxar carrinho de mão.
- E ele tá puxando carrinho de mão?! Amanhã mesmo vou falar com Edgard que meu filho veio pra cá foi pra ser vendedor da Unimóveis, e não carregador! Edgard tá pensando o quê?

Diante de tamanha inocência, caímos na gargalhada. A minha mãe apareceu vindo de não-sei-onde lamentando por eu ter crescido e não poder me dar uma lapada.

- Não ligue pra conversa desse moleque não! - puxou minha tia para a cozinha e se perderam em alegre conversa de irmãs quando se encontram.

Minha tia emplaca oitenta anos no próximo domingo, 12, mas vai comemorar amanhã. Desta vez os revezes da vida me impedem de ir me encontrar com Paulo e Arizio, e os outros filhos que vieram depois: Conceição, Adriana Simone, Marcelo Torres e Márcia. E daqui, mando um abraço para eles e, principalmente, para tia Terezinha que sempre me acolheu como seu filho.

Parabéns, tia! Tenha muitos anos de vida.

Abaixo, clip da novela Selva de Pedra (1972/73), de Janete Clair, com a música-tema de Cris e Simone (Rock’n roll Lullaby – B.J. Thomas) que estourou nas paradas musicais da época

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