quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Luís Pimentel - Paixão na avenida



     O Rio de Janeiro, esse cartão postal que não se enquadra em moldura pré-fabricada por turistas deslumbrados, não passa de uma avenida. Cheia de curvas e reentrâncias, serpenteando da Zona Oeste ao Centro, com direito a chocalhos de cobra pelas virilhas da orla mais linda do mundo. Aqui inocente não se cria, mas há quem consiga inchar e falir empreendimentos onde o x do problema está exatamente no X.

     Também somos um beco. E o que não falta nessas calçadas são tipos preciosos, para o bem ou para o mal. Como aquele que conheci em um carnaval que passou, quando a gente trocava beijos e gentilezas nos blocos sem levar safanão de pichadores de estátua e se apaixonava na Avenida, independente do enredo.

     Foi assim:

      Saio do Sambódromo na madrugada de terça-feira, depois de ver o desfile da última escola de samba da segunda, e me dirijo à estação do Metrô na Praça Onze. Na fila dos bilhetes, o folião me aborda, lata de cerveja na mão e cigarrinho apagado no canto da boca:

     – Tu conheces a Doralice?
     – Só a do samba: “Doralice, eu bem que te disse que amar é tolice, é bobagem, é ilusão”.
     – Falo sério, meu chapa. Doralice parece mulata do Lan. Todos os dentes na boca, peitinhos de amora, coxas de italiana, balaio grande...

     Estava musicalmente inspirado, atropelei novamente:

     “Mexia um balaio grande, muito mais macio que o boto cor-de-rosa do Custeau”. Mas isso é de outro samba. Fala mais de Doralice.
     – Conheci domingo, no desfile da Mangueira.
     – Como diria o grande Wilson das Neves, “ô, sorte!”.
     – E perdi ontem, no embalo da Mocidade.

     Adoro essas histórias, desde menino. Vivia pedindo para minha mãe recontar o drama de um corno amigo que se ajoelhou diante da infiel: “Volta e traz quem tu quiser contigo”. Quis saber como é que foi:

     – Como ganhei ou como perdi?
     – As duas. O importante é competir, sem tapetão.
     O folião não regateou:
     – Ganhei de um sambista desatento, que marcou bobeira. E perdi para uma loura de cinema, que prometeu a ela uma vaga de rainha de bateria pro ano que vem.
     – E Doralice?
– Foi. A essa altura, já deve estar ensaiando com a louraça.

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