Já
houve um tempo em que na minha terra o homem mais importante do lugar era o
motorista do ônibus. O segundo, pela linha de importância, o cobrador. O terceiro,
o padre, mas este último morava em Alagoinhas e sua importância não era levada
em consideração. O prefeito e o delegado, homens da terra, tinham os seus
destaques, mas careciam de deferência especial por serem homens iguais a qualquer
um dali. O motorista do ônibus, não. Conduzia o povo para alhures, o
desconhecido, trânsito infernal, ladrões dando em cacho e espertos à espreita a
cada esquina. Ninguém confiava em ninguém. Só no motorista. E ele,
diligentemente, orientava o povo como andar naquelas ruas traiçoeiras até a
hora de voltar, na boquinha da noite. Era um Moisés conduzindo os judeus nas
terras dos faraós.
O
cobrador era reverenciado pelo manejo honesto do troco e das bagagens. Nunca
houve um troco errado e nenhuma bagagem extraviada. Já o padre manipulava as
almas e a salvação, e o povo, na sua simplicidade, sentia mais medo do que
respeito.
O
prefeito lutou pela emancipação do município. Era um deles. O candidato da
oposição lutou pela emancipação. Era um deles. O delegado lutou pela
emancipação. Era um deles. Na cidade nada acontecia que merecesse maiores
registros até que um dia foi destacado um soldado de polícia. E a terceira
posição no ranking das importâncias fora ocupada.
-
Bom dia, seu delegado! – disse o roceiro.
-
Bom dia! A que devo a visita?
-
Vim lhe avisar que fiz aquilo que o senhor me mandou fazer.
-
E o que eu lhe mandei fazer?
-
O senhor me disse pra eu matar o cabra que andava arrastando as asas pra minha
mulher.
-
Homem de Deus, eu tava brincando quando falei isso! Vou lhe dar oito horas pra
você sumir da cidade antes de mandar o soldado lhe prender!
Havia
uma padaria. A de Josias Cardoso. Vendia o pão mais gostoso que já comi na
minha vida. E Josias também tinha duas filhas, as moças mais bonitas do lugar. Tinham
um sorriso lindo. Às vezes eu ia comprar pão e saía sem pedir nada, encabulado
com a beleza delas. A minha timidez preferia levar uma surra da minha mãe a ter
que travar conversa com elas, mesmo que fosse só pra pedir cinco pães.
O
tempo passa, o tempo voa, e esta semana recebi um e-mail com um anexo. Abri e
me surpreendi. Era uma moção da Câmara de Vereadores da cidade de Pedrão, na
Bahia, parabenizando Norma Cardoso pela eleição e posse na presidência do
Conamp – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.
Norma
vem a ser uma das irmãs que me faziam tremer de timidez. Agora ela vai fazer
tremer quem não andar na linha. A moção aconteceu em Pedrão, cidade que nada
tem a ver com a minha terra, mas os vereadores se reuniram em sessão especial em
consideração ao meu primo Luiz Eudes, que é secretário das Finanças dessa
cidade.
Já
os vereadores da minha terra, e a de Norma também, passaram ao largo dos
acontecimentos, como passarão no dia da posse de Antonio Torres na ABL, porque,
para eles, as pessoas mais importantes da cidade continuam sendo o motorista de
ônibus e o cobrador.
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