segunda-feira, 24 de março de 2014

DO JUNCO ARCAICO AO JUNCO DE HOJE



Já houve um tempo em que na minha terra o homem mais importante do lugar era o motorista do ônibus. O segundo, pela linha de importância, o cobrador. O terceiro, o padre, mas este último morava em Alagoinhas e sua importância não era levada em consideração. O prefeito e o delegado, homens da terra, tinham os seus destaques, mas careciam de deferência especial por serem homens iguais a qualquer um dali. O motorista do ônibus, não. Conduzia o povo para alhures, o desconhecido, trânsito infernal, ladrões dando em cacho e espertos à espreita a cada esquina. Ninguém confiava em ninguém. Só no motorista. E ele, diligentemente, orientava o povo como andar naquelas ruas traiçoeiras até a hora de voltar, na boquinha da noite. Era um Moisés conduzindo os judeus nas terras dos faraós.

O cobrador era reverenciado pelo manejo honesto do troco e das bagagens. Nunca houve um troco errado e nenhuma bagagem extraviada. Já o padre manipulava as almas e a salvação, e o povo, na sua simplicidade, sentia mais medo do que respeito.

O prefeito lutou pela emancipação do município. Era um deles. O candidato da oposição lutou pela emancipação. Era um deles. O delegado lutou pela emancipação. Era um deles. Na cidade nada acontecia que merecesse maiores registros até que um dia foi destacado um soldado de polícia. E a terceira posição no ranking das importâncias fora ocupada.

- Bom dia, seu delegado! – disse o roceiro.
- Bom dia! A que devo a visita?
- Vim lhe avisar que fiz aquilo que o senhor me mandou fazer.
- E o que eu lhe mandei fazer?
- O senhor me disse pra eu matar o cabra que andava arrastando as asas pra minha mulher.
- Homem de Deus, eu tava brincando quando falei isso! Vou lhe dar oito horas pra você sumir da cidade antes de mandar o soldado lhe prender!

Havia uma padaria. A de Josias Cardoso. Vendia o pão mais gostoso que já comi na minha vida. E Josias também tinha duas filhas, as moças mais bonitas do lugar. Tinham um sorriso lindo. Às vezes eu ia comprar pão e saía sem pedir nada, encabulado com a beleza delas. A minha timidez preferia levar uma surra da minha mãe a ter que travar conversa com elas, mesmo que fosse só pra pedir cinco pães.

O tempo passa, o tempo voa, e esta semana recebi um e-mail com um anexo. Abri e me surpreendi. Era uma moção da Câmara de Vereadores da cidade de Pedrão, na Bahia, parabenizando Norma Cardoso pela eleição e posse na presidência do Conamp – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.

Norma vem a ser uma das irmãs que me faziam tremer de timidez. Agora ela vai fazer tremer quem não andar na linha. A moção aconteceu em Pedrão, cidade que nada tem a ver com a minha terra, mas os vereadores se reuniram em sessão especial em consideração ao meu primo Luiz Eudes, que é secretário das Finanças dessa cidade.

Já os vereadores da minha terra, e a de Norma também, passaram ao largo dos acontecimentos, como passarão no dia da posse de Antonio Torres na ABL, porque, para eles, as pessoas mais importantes da cidade continuam sendo o motorista de ônibus e o cobrador.

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