A
banca de jornais e revistas em frente ao Passeio Público exibia a edição
especial da revista Placar com uma matéria sobre os dez gênios do futebol
brasileiro, escolhidos por jornalistas, treinadores e jogadores que foram
glórias no passado. O ex-craque pediu para dar uma folheada e o jornaleiro
entregou a revista, de má vontade.
Estavam
lá: Rivelino, Tostão, Zico, Gérson, Falcão, Carlos Alberto, Sócrates, Júnior,
Ademir da Guia e Jairzinho. Nem uma linha sobre ele, nem uma fotografia. Que
fizeram com a bela foto que o Jornal dos Sports deu em primeira página,
no dia longínquo em que o Madureira bateu no Fluminense?
Seguiu
a pé pela Rua da Lapa, até o ponto do ônibus. Embarcou no Glória–Leblon,
circular, via Copacabana. O trocador olhou com cara de poucos amigos para o
embrulho que ele carregava debaixo do braço.
–
Não se assuste. É apenas um par de chuteiras.
O
trocador respondeu com um sorrisinho amarelo:
–
Pensei que fosse uma metralhadora.
– Não
deixa de ser – disse Beto Foguete, o ex-craque, orgulhoso. – Já metralhei grandes goleiros com ela.
Da
janela do ônibus, do lado do motorista, avistou a Igreja da Glória. Mostrou as
chuteiras e jogou um beijo respeitoso para a Virgem do Outeiro. Pediu que
guiasse seus passos, seus passes e seus dribles.
–
Beto Foguete é nome? – perguntou um dia um jovem repórter de rádio.
–
Beto, sim. Foguete é apelido. Nunca ouviu falar em Beto Foguete, o maior
centroavante que o Madureira já teve?
–
Não – respondeu o rapaz, encerrando a entrevista.
–
Meu azar foi só esse. Fiz carreira em time pequeno.
Ônibus
circular dá a volta ao mundo. Depois de passar pelo Largo do Machado, Flamengo,
Botafogo, Copacabana, Ipanema e Leblon, chegou finalmente à Gávea. Desceu perto
do Jóquei e se dirigiu para o campo do Flamengo.
“Peço
uma chance ao Jayme de Almeida. Basta um treino coletivo e eu mostro tudo. Ele
deve se lembrar de mim, vai me ajudar."
Seguiu
pela Bartolomeu Mitre, cabeça cheia de planos. No Largo da Memória pegou a Rua
Tubira e desembocou na Praça Nossa Senhora Auxiliadora. Nem a Santa sabe de
onde os moleques surgiram, em bando, em disparada, arrebatando o embrulho e
desaparecendo ao lado da Cobal. Tentou correr atrás, mas viu logo que seria
perda de tempo. Sentou em frente à Churrascaria Plataforma e chorou, sentindo o
cheirinho bom de picanha na brasa.
Pedir
chuteiras emprestadas seria humilhante demais para quem já foi um grande
craque. Melhor deixar a chance para outro dia, quando esbarrar com ela em outra
esquina.
Do livro “O gandula que comeu a bola – Histórias e
historinhas de futebol”. Editora Dimensão, 2014.
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