Estou
triste. Perdemos de 7 a 1 para a Alemanha, escrevendo nova página inacreditável
da história do futebol.
Ontem
eu já tinha escolhido ver o jogo sozinha pela primeira vez nesta Copa.
Trabalhei cedo, almocei na rua e voltei para casa, onde me preparei. Mandei o
SMS do costume para um amigo torcedor que vive do outro lado do país e liguei a
internet ruim que tenho em casa.
Dei
uma volta ao mundo pela rede social, curti os amigos. Dois queridos se
fotografaram juntos, ela esticava a bandeira e exibia o sorriso largo, ele
ostentava óculos engraçados que cobriam seus olhos bonitos. Outros dois, pai e filho, postaram a partir
do estádio, felizes e encheram meu coração de alegria.
O
jogo começou e não é preciso que eu seja cronista daquele primeiro tempo...
Mas
o pior ainda estava por vir e, para mim, não veio daquele coliseu em que fomos
desesperadoramente massacrados. Mesmo com o sinal vergonhoso de internet eu fui
atingida por aquilo que teve o condão de me deixar ainda pior.
O
que dizer diante da informação de que, bem perto da minha casa, um grupo
queimava a bandeira do Brasil? E da comemoração imediata de vários dos que
torciam ‘contra’ e que, naquele
intervalo, postavam na rede social seu ‘alívio’ no estilo ‘que bom, agora o
POVO vai cair na real e o país vai voltar ao normal...’
Muitas
palavras em torno de ‘pão e circo’ celebravam a tragédia em andamento. A
mesquinharia de negar o prazer ao outro, associando sempre a alegria à
alienação me atingiam em cheio.
Segundo
tempo e, depois, ainda com o Brasil se
retirando de campo, fui de volta para a internet.
A
decepção ainda não havia terminado para mim: em tão curto espaço de tempo já se
havia procurado e encontrado a quem atribuir a culpa: ‘A culpa é TODA de...’,
já se havia buscado também por ancestrais alemães. Houve quem achasse um
trisavô, de quem sequer sabia o nome e se afiliado a ele, reivindicando o DNA
dos vitoriosos.
Começava
a aparecer para mim a necessidade de ter razão e a de ganhar sempre, a qualquer
custo.
Este
amor não serve? Ok, vamos abandoná-lo e largar seu cadáver ainda insepulto.
Comecei a ter medo, real, da gente que se recusava a sentir a dor que deveras
deveria estar sentindo e se jogava desesperada em outras direções.
Os
heróis absolutos até ali se tornavam ‘vagabundos’ que não honravam o salário
recebido e mereciam o rancor. Aparecia exposto o desejo de que ficassem na
miséria, que tivessem que andar pendurados nos ônibus ao final de jornada de
trabalho exaustiva e mal paga!
Pior,
parte daquela massa de gente abandonava o barco e corria para a rede social
para falar da próxima paixão, da próxima vitória esperada: a política. Na mesma
chave de interpretação dos que buscavam em si alguma genética que
possibilitasse estar no lugar dos vencedores.
Saí,
fui tomar ar e pelas ruas do meu bairro, feio como de hábito e ainda deserto na
noite de ontem. Caminhei triste demais, me dando conta do medo que eu tenho de
quem não goza quando está gozando e não sofre quando está sofrendo.
Aprendi
há tempo que, na época em que temos a colheita da uva, em que estamos na lida e
no processo, até a lavagem dos cestos ainda é vindima. O trabalho termina
somente quando lavamos os cestos em que colocamos os cachos, os secamos e
guardamos até o próximo período.
Não
saímos no meio da colheita atrás vindimar as uvas doces de outro lugar largando
a nossa casa, a nossa terra, a nossa parreira, os nossos parceiros. Não
maldizemos a terra, a uva, as ferramentas, os adubos, o sol, a chuva, os
vizinhos, pela colheita ruim ou pela uva amarga.
A
Copa continua, continuamos na Copa, temos jogo no sábado para disputar o
terceiro lugar, honroso sim. Ainda é tempo de vindima e, no entanto, onde
estamos?
Susana
Ventura é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora do
Ensino Superior e autora de ficção, ensaios e obras para formação de
professores.
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