No princípio era o Verbo, e o Verbo estava
com Deus, e o Verbo era Deus. Mas logo, logo muitos deuses foram inventados, e
a bagunça começou. Deus fez todas as coisas. Fez o céu, a terra, e até a Câmara
dos Deputados. Por ali passaram homens bons e ruins, até o dia em que o comando
da Casa caiu no colo de um vendilhão dos templos.
Aí Deus lavou as mãos, porque ninguém é de
ferro.
***
No princípio era o Verbo. O Verbo se fez
carne, mas ainda não valia comer o outro vivo (a não ser no sentido bíblico), nem
xingar a mãe, e podíamos livremente defender qualquer ponto de vista; até mesmo
a permanência do Dunga. Mas tudo foi pro espaço quando o Verbo foi confundido
com verborragia.
***
No princípio era o verbo, doar-se absoluto, o
eterno enigma, fazer e desfazer e refazer as criaturas.
No princípio o amor, os cães sem dono, a
terra tida e prometida de silêncios e quereres acreditar em todas as
coisas.
Então, o filho foi levado ao alto mais alto
do monte e ouviu do pai, ouro nos dentes, a profecia infame e infamante:
– Um dia, tudo isto será teu!
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No princípio era o Verbo, e com ele a exigência da concordância
(adjetivos pomposos e substantivos cretinos só vieram mais tarde). A
concordância exigia respeito ao jogo e às suas regras. Mas não deu certo
porque, infelizmente, desde o início dos tempos há indivíduos que não sabem
perder.
***
“Visitante – A senhora está cansada?
Professora – Muito.
Visitante – A senhora já é muito velha?
Professora – Muito. Muito velha.
Visitante – A senhora era nova quando a
escola era nova?
Professora – A escola já era muito velha
quando eu ainda era nova.
Visitante – E agora?
Professora – Agora chega. Eu preciso
morrer.
Visitante – E a escola? Vai morrer junto?
Professora – Não. Vai continuar
envelhecendo. Vá para o seu lugar, meu filho.”
Da peça “Aurora da minha vida”, de Naum Alves de Souza, o grande
dramaturgo que perdemos esta semana.
2 comentários:
Adorei conhecer teu blog Tom, parabéns, lindo"! Beijos da sua leitora Luiza.
Obrigado, Luiza.
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