Era uma vez, em um tempo
distante, mais não tão distante que se possa evocar o esquecimento, conheci uma
mocinha do Alecrim, a zona da zona de Alagoinhas. Bonita, andar elegante, simpática,
caíra na perdição por conta dessas fatalidades corriqueiras na adolescência:
engravidar do namorado. Expulsa de casa sem o mínimo remorso dos pais, caiu na
vida para não morrer de fome.
Era de Juazeiro, na Bahia.
Fora parar em Alagoinhas porque puta que se preza tem que ser itinerante. Não
deve ter afetos nem afeitos. Um longo convívio com os clientes pode gerar um
sentimento amoroso que a levará a uma situação de conflito.
Eu morava em Salvador e nos
dias de folga ia ter com ela. Saíamos a passear de mãos dadas pelas ruas
silenciosas e conservadoras da cidade. Quando havia missa, missa; quando havia
festa nos clubes sociais, festa, sob o olhar admirado dos amigos. Se alguém
soubesse o seu endereço, fatalmente eu seria atirado no fogo do inferno. Mas a
turma babava, achando que ela era uma moça fina da zona sul da soterópolis.
Um dia, admirando o luar,
ouvimos uma música de Dalton, no rádio do carro. Era a Rádio Emissora de
Alagoinhas se reciclando. Ela me olhou numa ternura de anjo, acariciou o meu
cabelo, e fez dos versos da música uma paráfrase: “Cuida bem de mim, porque
ninguém vai viver nossos sonhos”. E repetiu, repetiu, repetiu, como um apelo de
quem se sente a criatura mais frágil desse mundo.
Na semana seguinte retornei
a Alagoinhas. Não havia mais lupanar no Alecrim. Pessoas engravatadas
transitavam no local. Uma placa da Igreja Universal pregada na porta avisava o
horário do culto. Ninguém dava notícias das moças. Foram abduzidas por um disco
voador. Ou tragadas pela terra. Passei três dias procurando, em vão.
Voltei para Salvador aos frangalhos.
Sentia-me um completo fracassado. Quando deixava a cidade, veio-me um vazio e o
cérebro martelou o refrão da nossa última noite, repetidos em prenúncio de
separação: cuida bem de mim, pois ninguém vai viver os nossos sonhos.
Já não havia mais de quem
cuidar, muito menos sonhos a sonhar.
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