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| De Cacik Jonne | 
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| De Cacik Jonne | 
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| De Otário | 
 e deixava  na mão. Ainda assim, na hora de me desfazer do condenado, senti uma pontinha de tristeza. Como o carrinho era azul, julguei ser o motivo do apego. Não era. Na verdade, o que me ligava ao caranguinho era a placa: LVO – 0564. No desenrolar dessa arenga, vocês entenderão.
e deixava  na mão. Ainda assim, na hora de me desfazer do condenado, senti uma pontinha de tristeza. Como o carrinho era azul, julguei ser o motivo do apego. Não era. Na verdade, o que me ligava ao caranguinho era a placa: LVO – 0564. No desenrolar dessa arenga, vocês entenderão.|  | 
| De Tamoios | 

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| De Poesia | 
 mundo mudava. Nem compreendia o que lia, mas me sentia tocada na alma por essa forma de linguagem tão inusitada naquele universo de menina da roça. No princípio, li Francisca Julia, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Olavo Bilac, Gonçalves Dias... Lia e decorava para dizer em voz alta, pois parecia música, aos meus ouvidos.
 mundo mudava. Nem compreendia o que lia, mas me sentia tocada na alma por essa forma de linguagem tão inusitada naquele universo de menina da roça. No princípio, li Francisca Julia, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Olavo Bilac, Gonçalves Dias... Lia e decorava para dizer em voz alta, pois parecia música, aos meus ouvidos.|  | 
| De Projeto A Cara Alegre do Piauí | 
 Há trinta e três anos, por minha conta e risco, arrebanhei um pequeno grupo de jovens (Paulo Machado, Rogério Newton, Fernando Costa, Alcide Filho e Margô Coelho), formei uma trupe mambembe e embrenhamo-nos pelos sertões do Piauí. Objetivo: ver, ouvir, ensinar, aprender, conviver. Amontoados num velho fusca verde-sonho, fomos a Oeiras, Floriano, São Raimundo Nonato e José de Freitas. Por falta de dinheiro para a gasolina do fusca, arquivamos o sonho. À época, nenhum de nós sabia que estava lançando ali as sementes do projeto A Cara Alegre do Piauí. Pouco tempo depois, eu e o Paulo Machado passamos a ministrar cursos de literatura piauiense para professores no interior do Estado. Quando Elias Arêa Leão assumiu a Secretaria de Cultura do Piauí, montamos uma trupe bem mais encorpada e voltamos a mambembar pelos sertões. Finalmente, em 97, na cidade de Parnaíba, o poeta e professor Fernando Ferraz batizou a cabroeira com o nome de A Cara Alegre do Piauí, usando um argumento irrefutável: “Há séculos, mostramos sempre a cara triste do Piauí. O máximo que conseguimos foi a piedade de alguns e o escárnio da maioria. Chegou a hora de mostrarmos a face luminosa de nossa gente: a rica e multifacetada cultura do Piauí”. Com o novo rótulo, o projeto ganhou asas e percorreu praticamente todo o estado do Piauí, de Parnaíba a Guaribas.
Há trinta e três anos, por minha conta e risco, arrebanhei um pequeno grupo de jovens (Paulo Machado, Rogério Newton, Fernando Costa, Alcide Filho e Margô Coelho), formei uma trupe mambembe e embrenhamo-nos pelos sertões do Piauí. Objetivo: ver, ouvir, ensinar, aprender, conviver. Amontoados num velho fusca verde-sonho, fomos a Oeiras, Floriano, São Raimundo Nonato e José de Freitas. Por falta de dinheiro para a gasolina do fusca, arquivamos o sonho. À época, nenhum de nós sabia que estava lançando ali as sementes do projeto A Cara Alegre do Piauí. Pouco tempo depois, eu e o Paulo Machado passamos a ministrar cursos de literatura piauiense para professores no interior do Estado. Quando Elias Arêa Leão assumiu a Secretaria de Cultura do Piauí, montamos uma trupe bem mais encorpada e voltamos a mambembar pelos sertões. Finalmente, em 97, na cidade de Parnaíba, o poeta e professor Fernando Ferraz batizou a cabroeira com o nome de A Cara Alegre do Piauí, usando um argumento irrefutável: “Há séculos, mostramos sempre a cara triste do Piauí. O máximo que conseguimos foi a piedade de alguns e o escárnio da maioria. Chegou a hora de mostrarmos a face luminosa de nossa gente: a rica e multifacetada cultura do Piauí”. Com o novo rótulo, o projeto ganhou asas e percorreu praticamente todo o estado do Piauí, de Parnaíba a Guaribas.|  | 
| De Anjo ou Demônio 1 | 
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| De Teresina | 
 cado: a sexta-feira da paixão e o primeiro do ano. Na sexta-feira grande, não se podia fazer quase nada. Não se tomava banho, não se tirava a barba, não se ordenhavam as vacas, não se comia carne, não se falava alto. Os mais devotos passavam o dia em completo jejum e alguns até se autoflagelavam . Já no primeiro dia do ano, podia-se quase tudo, inclusive percorrer a pé duas ou três léguas à caça de um forró de latada, mesmo sabendo que o sanfoneiro era ruim, a cachaça estava batizada, as mulheres eram poucas e os arruaceiros, muitos. Não bastasse isso, as escaramuças eram comuns e, por um nadinha, alguém era mandado para o reino da glória...
cado: a sexta-feira da paixão e o primeiro do ano. Na sexta-feira grande, não se podia fazer quase nada. Não se tomava banho, não se tirava a barba, não se ordenhavam as vacas, não se comia carne, não se falava alto. Os mais devotos passavam o dia em completo jejum e alguns até se autoflagelavam . Já no primeiro dia do ano, podia-se quase tudo, inclusive percorrer a pé duas ou três léguas à caça de um forró de latada, mesmo sabendo que o sanfoneiro era ruim, a cachaça estava batizada, as mulheres eram poucas e os arruaceiros, muitos. Não bastasse isso, as escaramuças eram comuns e, por um nadinha, alguém era mandado para o reino da glória...            Quando me transplantaram para a cidade, apresentaram-me a palavra réveillon, que trazia consigo alguns penduricalhos: queima de fogos, roupas brancas, música de gosto duvidoso, espumante ordinário, dor de cabeça e felicidade compulsória. Perdi o interesse pela data. Decididamente, já não se fazem entradas de ano como antigamente. Ganhou-se em barulho; perdeu-se em lirismo.
            Este ano, decidi iniciar o ano novo com um programa diferente: passear por ruas, becos e praças da cidade amada. Saí cedo, sozinho e, sem pressa ou roteiro preestabelecido, fui avançando: Monte Castelo, Redenção, Macaúba, Por enquanto, Buenos Aires, Poti Velho, Vila Operária e, finalmente, centro histórico. Sem a torrente de automóveis que entulha ruas e avenidas, Teresina é uma cidade sossegada, encantadora. Lavada pelas chuvas que caíram à noite, a cidade mais parecia uma dessas donas de casa que, de cara limpa, senta-se à porta apenas para olhar o espetáculo da vida na rua. Lembrei-me de um tempo, não muito distante, em que se podia atravessar a cidade inteira, do Poti Velho à Tabuleta, sem risco de ser molestado.  Quando muito, era-se abordado por um bêbado tresmalhado que pedia um cigarro ou um trocado para mais um gole de pinga. Os poetas notívagos, capitaneados por William Soares, eram os pastores da noite a perambular por bares e biroscas onde se discutia poesia, falava-se mal da ditadura e campeava-se mulher disponível, mesmo que fosse a do próximo...
            Um dia, alguém acometido de megalomania galopante resolveu trocar o rótulo “cidade verde” por “grande Teresina”. Como se movida por uma força estranha, a cidade verticalizou-se, livrou-se dos quintais, ganhou shoppings,  edifícios com nomes pomposos,  engarrafamentos  enervantes  e encheu-se de lojas barulhentas, templos evangélicos e motéis. Despiu-se do verde, cercou-se de favelas e nunca mais foi a mesma.
No primeiro dia do ano que se inicia, com as “retinas fatigadas”, olhei minha cidade como quem olha o que já não lhe pertence. Como naquela remota manhã de maio de 65, quando me despejaram na Praça Saraiva, voltei a sentir-me apenas um náufrago...