Operação Paulo Francis levou 17 anos para se concretizar. Lava Jato é só seu nome fantasia
  
 No dia 14 dei uma de Stanislaw Ponte Preta e gozei, no Twitter, o nome 
dado à Operação Lava Jato, que alguns ainda grafam com hífen. Se não 
havia na história um avião a jato, nem sequer um prosaico ultraleve a 
ser lavado, a expressão era descabida. Dada sua clara intenção de 
conotar uma faxina em regra, como a executada nos carros em postos de 
gasolina, o nome correto seria “lava a jato”. 
 Minha picuinha 
onomástica, de imediato turbinada pelo Facebook, cumpriu apenas uma 
parte do seu objetivo: divertir os internautas com mais essa prova de 
que o Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), inventado há 
cinco décadas por Stanislaw, ainda não encerrou suas atividades. 
 
Indiferente ao flagra vernacular e às gozações nas mídias sociais, a 
Polícia Federal manteve o nome (e até o hífen) de sua operação, 
concentrando-se nos afazeres que lhe competem, a fim de evitar bobeadas 
mais sérias, como os erros processuais que inviabilizaram as operações 
Castelo de Areia e Satiagraha, e a indevida inclusão de José Carlos 
Cosenza na petrorroubalheira, que por um triz não comprometeu a limpeza 
em andamento, àquela altura já com uma extensão: Juízo Final, nome mais 
que apropriado se as investigações estiverem de fato em seus versículos 
derradeiros e os condenados, prestes a serem punidos.
 Agindo com 
impressionante competência e rapidez na perseguição aos saqueadores da 
maior empresa pública do País, a PF tem saldo credor para cometer 
impunemente mais umas duas ou três mancadas ortográficas. 
 Aliás, 
não me lembro de outra nas mais de 2 mil operações por ela executadas 
neste século, ora batizadas com nomes de bichos, ora com títulos de 
filmes, na maioria das vezes com personagens e episódios históricos e 
mitológicos. Por mais que tentem esconder quem os sugere (o segredo 
também é a alma do marketing), sabe-se que até 2007 quem com mais 
frequência o fazia era o delegado Zulmar Pimentel, diretor executivo da 
PF, afastado do cargo e desterrado para Manaus com a fama de boquirroto. 
 Ignora-se quem associou a caça aos envolvidos no escândalo da Petrobras à lavagem de carros. Seja lá quem for, seu maior erro não foi 
omitir uma preposição e acrescentar um hífen, mas desperdiçar a 
oportunidade de homenagear quem pela primeira vez alertou publicamente 
para a rapinagem na Petrobras.
 Há quase 20 anos, o jornalista Paulo 
Francis denunciou, no programa Manhattan Connection, que “todos os 
diretores da Petrobras” punham dinheiro na Suíça. Apesar do alerta em 
off de Lucas Mendes (“olha, que dá processo”), Francis não tirou o dedo 
do gatilho. Referiu-se a um amigo, advogado, que num almoço com um 
banqueiro suíço ouvira deste o seguinte comentário: “Bom mesmo é 
brasileiro, porque esses bilionários árabes depositam US$ 1 milhão, US$ 2
 milhões, mas uma semana depois tiram. Os brasileiros põem US$ 50 
milhões, 60 milhões e deixam”. Segundo Francis, toda aquela grana era 
fruto de roubalheira, de superfaturamento. 
 Novo alerta de Lucas, 
dessa vez gestual (um discreto tapinha no braço direito), novamente 
ignorado por Francis, que reiterou sua certeza de que a Petrobras fora 
dominada “pela maior quadrilha” em atividade numa empresa pública 
brasileira. 
 Lucas suspeitou certo: deu galho. Não contra a 
quadrilha vagamente apontada por Francis (o que só poderia ocorrer se o 
então presidente da Petrobras, Joel Rennó, tivesse mandado investigar a 
procedência das acusações e as tivesse comprovado), mas contra o próprio
 acusador. 
 Sem provas concretas para substanciar sua denúncia, 
Francis acabou processado por Rennó, no foro de Nova York. Um processo 
impagável de US$ 100 milhões, ao qual o jornalista ainda se referiria em
 outra edição do Manhattan Connection, quando citou nominalmente o 
presidente da Petrobras e acusou os diretores da estatal de tentarem 
intimidá-lo e silenciá-lo. 
 Nesse programa, houve um diálogo quase 
cômico entre Lucas e Francis. Ao ouvir o colega afirmar que, dos “três 
porquinhos” que dirigiam a Petrobras, conhecia apenas o presidente, “um 
rapaz gordinho” que comia “nos melhores restaurantes de Nova York”, 
Lucas quis saber se já haviam comido juntos alguma vez. “Infelizmente, 
já”, respondeu Francis, simulando um engulho. 
 Se Francis errou ao 
dizer o que disse sem provas materiais, o presidente da Petrobras não 
podia tê-lo processado nos Estados Unidos por coisas ditas numa 
televisão brasileira e jamais transmitidas fora do Brasil, embora 
gravadas num estúdio nova-iorquino. Muito menos envolvendo uma 
indenização que, hoje sabemos, só os petrogatunos teriam condições de 
pagar com seu butim, guardado aqui e lá fora. 
 Mesmo ciente de que 
perderia o caso, o presidente da Petrobras esticou o litígio até onde 
pôde. Queria infernizar o jornalista, e como dispunha de recursos 
ilimitados para cozinhar o processo, manteve-o em banho-maria, para 
discreto constrangimento do presidente Fernando Henrique Cardoso, que 
tampouco se empenhou em esclarecer se as imputações de Francis tinham ou
 não fundamento.
 Rennó afinal venceu a parada. Mas não nos tribunais. 
 Estressado e deprimido pela milonga judicial, Francis morreu de um 
ataque cardíaco, em 4 de fevereiro de 1997. Na Folha de S. Paulo do dia 
seguinte, Elio Gaspari encerrou seu comentário com esta observação: 
“Dizer que o processo do doutor Rennó o matou seria uma injustiça 
piegas, verdadeira estupidez. O que aconteceu foi outra coisa. O doutor 
Rennó conseguiu tomar uma carona no último capítulo da biografia de 
Paulo Francis. E, se algum dia Rennó tiver biografia, terá Paulo Francis
 nela. É difícil que consiga fazer coisa melhor, sobretudo à custa do 
dinheiro da viúva”.
 A Operação Paulo Francis demorou 17 anos para se concretizar. “Lava-Jato” é apenas seu nome fantasia.