Certa vez, antes da
dominação satânica do Brasil, publiquei no Facebook a minha indignação
sobre o achincalhe político contra Graciliano Ramos, em Quebrangulo, cidade
natal do mais famoso escritor alagoano: batizaram a praça onde fica a casa que
ele nasceu justamente com o nome do maior causador dos males ao escritor:
Getúlio Vargas.
Tempos recentes retornei à
cidade para pôr a limpo essa lógica pervertida de se homenagear os escrotos.
Procuraria saber do autor de tamanha indignidade. Passei um dia indagando do
povo a respeito da praça, sem que ninguém desse provimento. Quando a noite
caía, encontrei um cidadão sentado na calçada em sério caso de amor com a
ociosidade. Perguntei por perguntar, só por descarrego de consciência. Ele me
deu a luz:
- Procure o Quéops que ele
sabe tudo da cidade!
Não titubeei: saí a indagar
pelas ruas e becos onde poderia encontrar personagem tão importante para a
história do Egito e para a minha história. Pergunta daqui, pergunta dali, até
que alguém me disse:
- Ele foi levar a filha para
uma festa de aniversário.
Peguei o endereço e meti pé
no acelerador. A casa de festas ficava a caminho de Palmeira dos Índios. Como
eu não estava em trajes festeiros nem tinha convite para entrar, pedi ao
porteiro para chamar o Grande Faraó. Ele não demorou a voltar, acompanhado do
ilustre cidadão, meu salvador da pátria. Ele era todo sorriso. Apresentei-me e
contei o meu dilema em descobrir aquela estranha homenagem que se fez a Getúlio
Vargas, porém sem adentrar a parte crítica. Queria saber quem fora o autor da
ideia.
- Foi o meu avô, em 1960.
Inclusive ele fez uma réplica de Paris, com o Obelisco e o Arco do Triunfo! –
disse isso deixando transparecer o maior orgulho pelos feitos heroicos do avô.
Intimamente agradeci a Deus
por omitir a minha opinião no ato de perguntar. Agradeci meio sem jeito pela
informação, pedi desculpas por interromper seu deleite, dei meia volta-volver e
retornei à casa da mãe de Edna, um sítio sossegado ao pé da Serra Grande, na
Vila São Francisco.
Na rede, refletindo ao som
dos vagalumes e coaxar das rãs, cheguei à conclusão de que, para o povo e para
os governantes, a cultura não vale nada. Seja em Quebrangulo, em Salvador, em
Maceió, em Tanque d’Arca ou qualquer outro lugar. As ruas e praças são
batizadas com os nomes de políticos, mães de políticos ou amantes dos
políticos. Raros são os lugares em que algum cidadão ligado à cultura seja homenageado.
E o povo faz questão de isolar historicamente aqueles que não estão ali
pregando engabelações ou no beija-mão dos favorecimentos. O Junco só soube que
tinha um filho escritor no dia que um padre alemão chegou lá e, na pregação, disse
que conhecia o lugar muito antes de estar ali, pois havia saído numa publicação
alemã falando do escritor Antônio Torres. Jorge de Lima? Coitado! Não há quem
morra de amores pela sua obra nem pela sua existência na cidade de União dos
Palmares, sua terra natal.
Se hoje há uma plateia
abençoando os rancores contra a esquerda, imagine nos anos arcaicos em que o
ranço político dominava os sertões. Mas não acredito que o prefeito de então,
um cidadão que passava os fins de semana em Recife e os feriadões na Europa,
tivesse a intenção de desbancar Graciliano Ramos. Acho que ele nem sabia da
real importância do conterrâneo, vez que, Graciliano, ganhou nome e fama quando se mudou
para Palmeira dos Índios. Ou que, se sabia, devia desconhecer a história da
prisão sem causa do Mestre Graça. Em 1960, Getúlio Vargas era o herói da pátria
e todos os meios por ele usados justificavam seu fim.
Credito o ato aos tempos das
trevas, porém, hoje, já não se justifica mais se manter a homenagem ao cidadão
que escrachou a vida de um personagem tão importante na literatura brasileira,
principalmente quando tramita na Câmara de Vereadores de Quebrangulo projeto de
lei tombando a casa de Graciliano Ramos como patrimônio cultural do município.
É preciso que os nobres edis
quebrangulenses consertem essa mancada histórica para que o nobre escritor
possa descansar em paz.
Fotos: a Praça Getúlio Vargas e a casa (azul) que foi de Graciliano Ramos.