Mônica Cordeiro.
Na onda do “disk food”, a qualquer hora, de todos os preços e para todos os gostos, prefiro uma padaria. Padaria é uma espécie de templo sagrado do alimento, aqui no interior de Minas. Você se vê num paraíso e cai de joelhos. Tem rosca rainha soberana pra servir, pão sovado com açúcar, pão de mel, pão de queijo, bolo caçarola, de aipim, de cenoura e o mais cotado, pãozinho francês.
Na fila estava, à espera do atendimento quando, de repente, entra uma figura inusitada, conhecida na cidade pelos exageros estéticos (desde a roupa até o botox), e vai direto ao encontro de uma pessoa que estava também aguardando o atendimento e ralha:
- Quem é você na fila do pão, garota cibernética? Se enxerga! Pra cima de mim não porque nem sou trepadeira. Descola da minha retina, cajuru desbotado! Tem amor à vida não? Lambisgoia. Vem que vou te triturar no mixer. Pensa que todo mundo é poste, sua barata com inseticida estragado, sinto o cheiro de longe, dar energia não é pra qualquer um. Urubu urbano com pé de pomba.
Foi engraçado. A criatividade ali era mato. Olhei para ela como quem esperasse o próximo passo. Parecia não ter fim aquele vocabulário inusitado. Mas ela foi mais longe, descreveu a fila do pão, literalmente:
- Diz aí aprendiz de super poderosa, hamster de laboratório insana, troglodita de asfalto quente, eu rodo as Havaianas sem nenhum pudor, filha. Responde logo, salafrária, quem é você na fila do pão:
* A mãe apressada com o filho encapetado que cutuca todo cliente e derruba os produtos no chão, além de enfiar as mãos no reservatório e ficar testando qual o francês mais torradinho de casca?
*As fofoqueiras que ficam contando histórias do trabalho na padaria enquanto esperam, esperam? Uma vai pra comprar e a outra pra pular corda com a língua;
*Tu tá com cara de idiota apressada que vê a fila grande espertinha pergunta: você está na fila? - Não florzinha! Estou um fila. Daqui a pouco te avanço. Dá vontade de responder.
*Tu é a última apressada, xingando de tudo enquanto é nome, a primeira que bate-papo com a atendente e volta lá no fundo pra pegar o bolo que esqueceu?
*Tá com cara mesmo é daquela que esqueceu o dinheiro em casa e pede pra anotar, e não volta nunca mais, piriguete!
*Bem certo que também é aquela que diz que vai esperar a próxima fornada só pra ver o padeiro “queimar à rosca”;
* A doninha linda do cabelo branco aveludado, tão terna e macia quanto a broa de canjica tu não vai ser nunca!
* Bem, o policial militar que fila o café pra fazer segurança seria uma boa pedida pra você.
A figura estava possessa, a fila inerte até que, depois de um minuto de silêncio ela vira pra moça e diz: Quer saber filhote de cruz credo, você não é ninguém na fila do pão. Aliás, na fila do pão todo mundo é igual. Não vou perder tempo com pão com margarina querendo ser pão com manteiga. Tu vai pagar bichinha! E nem vou precisar cobrar. Santinha do pau oco. Sonho fake de padaria.
E saiu como quem tivesse se libertado de um peso ao dizer tudo aquilo. Óculos escuro na face, bolsa do lado, salto alto e um desfile de elegância na padaria embalada pelo cheiro inconfundível de pão assado. Na fila, o zum zum zum dava tom e um cliente alertou quando a vítima saiu, engomada:
- Viu o que acontece quando mexe em gaveta alheia? Calçou a meia, vestiu a cueca e camisa e dormiu na cama quente que é lugar pra chorar depois dessa. Ela chegou de surpresa da viagem ao Chile e deu de cara com essa zinha aí na sua cama. Até foi delicada nos nomes rogados. Pior mesmo foi o marido, ontem a polícia foi chamada para prestar socorro e hoje na capa do correio da cidade: mulher tenta arrancar órgão reprodutor masculino do marido com os dentes. Adivinha quem foi?
A maioria ficou perplexa com a notícia até que um desavisado atrás da fila gritou:
- Já saiu o biscoito de polvilho?
E a fila andou.