Duas mulheres de programa conversavam no ponto de ônibus:
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
Vida de açougueiro
segunda-feira, 1 de janeiro de 2024
Goodbye, Columbus e outras reminiscências
Hoje, acordei sentindo um gostinho do passado na memória ao lembrar da minha introdução à literatura norte-americana, acontecida em 1970, na casa do meu irmão, no Rio de Janeiro: o romance Goodbye Columbus, lido e relido em um fôlego só. Para um pretenso debutante na vida de interior, foi um mar de aprendizagem.
Fico aqui a tecer conjecturas sobre o que seria de mim, como ser autônomo, se não tivesse um irmão jornalista e que sempre me brindava com as melhores publicações. Como diz o jovem ancião Cineas Santos, o vate piauiense, eu seria eu sem mim.
Mas não foi só isso. Nessas mesmas férias, conheci Garcia Marquez (achei Macondo o próprio Junco), Hemingway, Rubem Braga, o primo de Maria Lúcia Rangel, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), a Tropicália, Luiz Gonzaga e o Bondinho de Santa Teresa. Ah! Conheci também o MAM e o quadro mais famoso do mundo, cujo pintor foi de uma genialidade incrível: uma tela em branco com um ponto feito a grafite no centro e que deixava os experts em arte babando em “oooooooohs!”
De tudo, o mais importante, foi ouvir o LP “Arena conta Zumbi”, a Renascença teatral que se fazia no teatro de Arena, berço do Teatro do Oprimido. Paixão à primeira audição e eu disse: “Quando eu crescer quero ser Boal!” Meu irmão, entre amarelo e sem jeito, pois pensara que eu diria querer ser ele, me disse que era uma boa escolha.
Nos trilhos urbanos de Alagoinhas, o expresso da meia-noite nos acordava em voz grave e potente: “Encomenda para seu Antônio Ronaldo!” Eram livros de mancheia, como diria o príncipe dos poetas.
Em retribuição a essa sorte que tive e que acontece uma entre milhões, não meço esforço para incentivar a leitura como a pedra fundamental na transformação de indivíduos em sujeitos autônomos. O conhecimento só faz sentido se compartilhado. Sem isso, é como a roda de um moinho mergulhada em um lago.
O meu irmão jornalista-leitor virou escritor, entrou para a Academia Brasileira de Letras e só vive me convidando para acompanhá-lo nos debates na mais alta corte literária. Vou não, seu moço! Esse negócio de imortalidade é para vampiros. Eu quero descansar em paz.
domingo, 10 de dezembro de 2023
Poema de Natal
Estreou a vida
Em mês primaveril.
Floriu o mundo
com seu sorriso
Juvenil.
Se fez amante
Das coisas belas
E a musa
Dos poemas de amor.
Os seus vapores
Soltavam odores
de lascívia e paixão.
O seu amado,
Um belo infante,
escafedeu-se
No breu da noite
De Verão.
Não deu a luz
Com seu amante
Porque o útero
do seu destino
Era estéril.
Por ser etérea
Maria da Luz
Dissipou-se
Na solidão.
quinta-feira, 16 de novembro de 2023
CABOCO SETENTA
O meu avô materno chamava o meu irmão mais velho de "Cabôco Setenta". Um dia lhe perguntei:
- O que é isso, padrinho?
- Ele vale por setenta dos homens daqui! - disse orgulhoso, caneca de café à mão.
- E eu, padrinho?
Ele me olhou meio decepcionado e disse:
- Você vai ser o sessenta e nove.
- Vou valer por sessenta e nove?
- Não!
- E então?...
- Quando você crescer, saberá.
segunda-feira, 13 de novembro de 2023
O ventinho amigo
Quando eu era adolescente pelas ruas de Alagoinhas, em vez de caçar Pókemon, eu caçava aquele ventinho amigo que arribava a saia das meninas em frente do convento das freiras. Um dia, uma garota que o vento pegou de mãos ocupadas com o material escolar, me disse irritada depois de se recompor:
domingo, 15 de outubro de 2023
Associação criminosa para cometer crimes, segundo os visionários novelísticos
O Ouro, a Prata, o Cobre e o Níquel se associaram ao crime organizado, sequestraram o Oxigênio e ameaçaram destruir a família Ferroso lançando bombas letais de O2. Desbaratada a quadrilha metaleira numa fantástica ação batizada de “Operação Ferrugem”pela PF, sob o comando da delegada federal Helô e investigação conduzida pelos repórteres do Fantástico, o único elemento a ser preso sem direito a sursis nem à Lei Fleury foi o famigerado Carbono, que não fazia parte do Grupo e tampouco se inseria na história. Motivo alegado para a prisão: foi o único preto que a diligente delegada encontrou na Tabela Periódica.
O cabaré da Tininha
Tom Torres e Cristiana Alves
Nunca
pergunte ao seu pai aonde ele vai, principalmente se você não pode ir junto. Lá
no Junco, para perguntas sem respostas, se diz que a curiosidade matou o gato.
- Que
gato, pai? Nós nem temos gatos!
- Você
está querendo saber demais!
- Mas só
perguntei aonde o senhor vai desse jeito.
- Desse
jeito, como?
- Mais
enfatiotado do que prateleira de mulher suspeita!
-
Acertou! Vou justamente para um lugar de mulher suspeita: o brega de Tininha.
Esse era
um diálogo entre pai e filho: José e Matheus. Este, passava horas imaginando
como seria o brega da Tininha. Menor de idade, não o deixavam entrar. E a sua
imaginação corria solta, pensando em cada detalhe do ambiente: as mulheres, as
luzes, os homens que frequentavam, as músicas, os quartos... Imaginava Tininha
do jeito que veio ao mundo, peladona, uma linda mulher e fazendo sexo com ele.
Um dia Matheus
sofreu um baque que o tirou bruscamente dos devaneios eróticos com Tininha: ficou sabendo que ela não era ela, mas ele! Tininha
era um homem! Fez cara de nojo e lavou a boca com sabão.
Um dia,
uma prima minha, muito amiga da falecida esposa de José, resolveu fazer uma visita
a ele. Conversa vai, conversa vem, deu a hora de José ir para sua partida de
futebol e ela permaneceu na casa dele, a pedido do mesmo. Matheus estava na
casa da namorada. Aproveitou para tomar banho, fez café e sentou-se à mesa para
tomar um cafezinho fresco. Ouviu o barulho de alguém abrindo o portão, pensou
que era Matheus retornando da casa da namorada e continuou tomando seu café na
mais cândida moral.
-
Matheus?!
Não era
Matheus. Era uma garota, aparentando ter dezenove anos, morena, cabelos pretos
e longos, olhos castanhos e faiscando fúria.
- Quem é
você? – gritou a visitante, se dirigindo ameaçadoramente para a minha prima – O
que você é de José? O que você faz aqui?
-
Pergunta para José!
- Já
perguntei! Já perguntei! – disse à beira do histerismo.
- E o que
ele disse?
- Nada!
Aquele safado não disse nada! Nada! Nada! Sua quenga, o que você faz aqui? Sua
puta rampeira, o que você quer aqui? Sua cachorra, você some e depois de quinze
dias aparece, sua... sua... sua... despinguelada!
- Se
desafaste de mim!
Ela partiu
para agressão física. A minha prima se esquivou e ligou para José.
- Me
acuda, José, que tem uma doida aqui tentando me agredir!
- Saia de casa e chame Matheus.
Matheus não atendeu. A garota vomitava palavrões e a
minha prima, desesperada, correu porta afora e procurou refúgio na casa
vizinha, de um primo de Matheus. A garota foi atrás e parou na frente da casa,
continuando os insultos:
- Essa quenga despinguelada é a nova puta do José! Essa
tabaca ensebada é a cueira daquele safado, que de dia é José e de noite é
Tininha! E todo mundo aqui pensando que ele é um santo! Só se for santo do cu
oco!
segunda-feira, 4 de setembro de 2023
Enquanto a chaleira não chia
Eu queria desvendar o segredo
De gravar os versos que não te fiz,
De sentir o gosto do teu batom
Nas palavras que não se diz.
Consumir o oxigênio ardente
Da tua boca que não beijei
Provocar o rubor pálido
Na ponta aguda do teu nariz.
Procurei os alquimistas. Otimista
Com suas fórmulas universais...
Vieram os druidas e seus caldeirões
De porções mágicas e segredos vegetais.
Vieram até as bruxas do amor
(no meu poema há bruxas, não deusas)
E suas verdades quânticas...
Nada me revelaram e ainda surrupiaram cem!
E os versos que não te fiz,
As palavras que não te falei,
O beijo que não te dei,
O rubor pálido de teu nariz
Foram arrastados pela enxurrada
Das lágrimas que não chorei.
De pai pra filho
Mainha sem mim
Hoje é dia de mainha.
Mas mainha, sem mim,
seria apenas ela sem mim
e até agradeceria a Deus
ou ao santo de sua devoção,
nunca ter me tido
numa noite primaveril
e acabado com seus sonhos de Verão.
Mas a dúvida que a atormentaria
seria nunca saber o que ela fez
na Primavera passada e engomada
de séculos pretéritos.
E, como o dito acima,
Mainha sem mim,
Seria apenas ela sem mim,
porque os outros dez irmãos,
teimosos como são,
teriam nascido de qualquer jeito
e lamentariam eu não ter nascido
numa noite de Verão.
Mainha sem mim,
seria apenas uma mãe
sem ter histórias a contar.
A fada
Era uma vez uma bruxinha
Sem o caldeirão das maldades,
Sem vassoura a diesel,
Sem asas para voar.
Mas voava.
O céu era o limite,
Mas seus sonhos eram etéreos.
domingo, 3 de setembro de 2023
A arte da sedução
Ele vê uma mulher perfeita desfilando pela calçada: corpo escultural, sensualidade de ninfa e, quando ela deixa cair o lenço dois passos adiante, ele diz:
- Ei... fofinha!
Ela se abaixa bruscamente, recolhe o lenço à bolsa, vira para trás e diz:
- Fofinha é a puta que lhe pariu!
E segue em frente com seu andar provocante em busca de uma alma que saiba a diferença entre um corpo de mulher e uma almofada.
quinta-feira, 4 de maio de 2023
Festa no Sertão
Milagre não foi eu ter nascido. Milagre foi ter sobrevivido. Depois de uma fileira de filhos a consumir sua farinha de mandioca, teria passado despercebido se ele, o meu pai, não tivesse pregado o olho em mim no dia que nasci. Chapéu de palha na cabeça, cigarro de palha nos lábios, baforou um palavreado de admiração e contentamento:
quarta-feira, 19 de abril de 2023
O HOMEM MAIS BRABO DE ALAGOAS
- Eu pensei que o alagoano mais brabo fosse Pedro Matador, de Quebrangulo, mas me enganei.
- E quem é o mais brabo?
- O meu médico.
- Por que você diz isso?
- Imagina, ele teve a coragem de
proibir um baiano de comer farinha. Eu apelei, usei todos os recursos da
linguagem, implorei, me humilhei até: Doutor, faça isso comigo não. Dê-me uma
história de amor trágico, onde os dois se suicidam no final! Dê-me um copo e
meio da cicuta mais mortal que as usadas por Agatha Christie em suas histórias
policiais! Dê-me uma corda de enforcado e o seu respectivo cadafalso com selo
do INMETRO! Dê-me uma vida sem sentido e de total ignorância política, tal qual
o QI dos bolsominions! Dê-me a beira do abismo e a palavra "siga em
frente" ecoando nos meus tímpanos! Dê-me um tsunami e apenas uma boia de
pneu de caminhão para flutuar! Dê-me qualquer coisa de ruim, meia hora de BBB,
dez minutos de Mais Você, cinco minutos do Domingão do Faustão, mas, por favor,
não me tire a farinha. Tirar a farinha de um baiano é pior do que lhe tirar a
vida.
- E ele não se condoeu depois dessa
choradeira? Até eu fiquei emocionado.
- Que nada! A reação dele foi chamar
a atendente e dizer friamente “Conduza o paciente até a saída e se ele pedir
recibo da consulta, aumente em mais cinquenta por cento”. É corajoso ou não é?
segunda-feira, 20 de março de 2023
Eu vi Jesus na goiabeira
Hoje eu vi Jesus. É difícil de acreditar, mas vi Jesus de Nazaré. Por coincidência, ele estava encostado em um pé de goiabeira, comendo umas goiabas amarelinhas e que pareciam saborosas, pois Jesus não parava de comê-las. Satisfação total. Até babava e lambia os beiços. Fiquei compenetrado, em êxtase, ao vê-lo na minha frente em carne e osso. Parei o carro, desci e me ajoelhei aos seus pés em súplica de milagre: