quinta-feira, 24 de setembro de 2009
CONSCIÊNCIA ATIVA E PASSIVA
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
A MÃO
terça-feira, 22 de setembro de 2009
A BORBOLETA
Por Leila Barros
- Alô!
- Oi, tudo bem?
- Tudo e você?
- Tudo certo! Então... eu hoje comecei a pensar em você e fiquei com saudades, sabe aquela saudade quadrada, que não desce pela garganta e que faz a gente ficar olhando com os olhos vidrados no nada? Então é assim que eu estou... Fico vislumbrando seu sorriso maroto e você desfilando na praia com seu novo piercing no umbigo. Que idéia você foi ter, hein?
(Riso fraquinho do outro lado do telefone)
- Então, eu fiquei imaginando que inseto eu gostaria de ser para estar ao seu lado nesse momento. Pensei em um pernilongo, pois pelo menos estaria ao seu lado no quarto e poderia verificar se o seu sono está tranqüilo e se o seu corpo está coberto ou exposto. Um pernilongo não daria certo. Imagine você com o seu geniozinho calmo com um pernilongo a lhe atormentar feito um violino desafinado. Provavelmente me chaparia na parede, dizendo algumas palavras gentis...
(risos mais fortes do outro lado do telefone)
- Pensei em uma abelha voando por perto enquanto você toma seu café da manhã. Assim eu saberia quem está ao seu lado, se você está se alimentando bem ou se ainda está fazendo aquela dieta maluca, aquela de não comer nada! Mas não daria certo também, primeiro porque você ouve pagode de manhã e isso nem por você eu suporto. Depois, se você acordasse com "aquele" humor e sem vontade nem de falar, fatalmente eu receberia uma rajada de pano de prato e cairia no chão.
(risada gostosa do outro lado do telefone)
- Resolvi que seria um vagalume, pois poderia acender minha lanterna e iluminaria seu caminho quando você estivesse saindo para as baladas com suas novas amigas... Gostaria de ver você com aquela calça jeans pescador que deixa à mostra seu tornozelo tatuado e aquela blusinha curta que mostra esse "piercing" horroroso no umbigo. Durma-se com essa ousadia! Pode falar que é ciúmes... Mas, não daria certo também, você não é lá muito chegada à roça e sertão e acho que nunca viu um vagalume antes. Talvez ficasse com um pouco de medo e... zap... me acertaria com o salto de sua sandália.
(uma boa risada do outro lado do telefone)
- Aí me lembrei da tatuagem de borboleta em seu tornozelo e decidi. Vou ser uma borboleta. Eu sei que isso parece meio delicado demais para o seu temperamento, mas você sabe que eu sou assim... Pelo menos seria um inseto mais útil, mais livre, com mais estilo, eu diria "fashion" mesmo. Poderia acompanhá-la a todos os lugares e você me olharia com um certo encanto. Pensando bem, a borboleta lembra você, assim toda colorida, leve, livre e sempre borboleteando. Fica perto por muito pouco tempo, mas por onde passa espalha sua vivacidade. Fica então decidido, serei uma borboleta azul e pousarei em seu tornozelo de modo que você não possa saber se sou eu ou simplesmente a sua tatuagem.
- Mãe, preciso desligar agora. Não exagera, eu só vim passar um final de semana no Guarujá, amanhã tô de volta!
- Tá bom filha! Vai ser borboleta na vida! Te amo
- Eu também mãe!
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Lupicínio e você - Maria Helena Bandeira

Sim, você sabe e morre mil vezes e chuta latas pelas ruas esperando que a dor escorra pelos bueiros, baratas aflitas de Kafka, o amor é tão fantástico nos dois sentidos. Então você volta para casa, se senta no sofá grená e olha para o livro que nunca vai ler : a história da sua vida.
"Ter loucura por uma mulher"
Você sabe que não é possível viver assim, quer morrer, arrancar do peito esta doença e mais fundo ainda destruir as raízes retorcidas do desejo e abafar, estrangular e matar toda vida que ainda restou entre os dois.
"E depois encontrar este amor
Nos braços de um outro qualquer"
Então você sai de novo em direção ao drama, estaciona na calçada em frente ao prédio, entra sorrateiro, coração batendo na surdina: tum tum tum e você sobe as escadas, garganta de farinha, ervas daninhas crescendo no tórax, uma tosse de furor que não deságua em rios, uma canção sem volta.
"Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?
E por ele quase morrer?"
E você senta na escada já sem forças, o sangue ruge nas têmporas, nas veias, nas caudalosas vias por onde escorre seu amor doente, aprisionado e louco, seu amor bandido, seu amor terreno na Barra sem dono e sem razão, seu amor esquilo aprisionado na armadilha, seu amor cansado da guerra e você passa pelas mil gotas que escondeu nos olhos e escorrega pelos degraus e escorre pelo ralo e nem assim desiste.
Continua a subir.
"E depois encontrá-lo em um braço
que nem um pedaço do seu pode ser"
Enfia a chave no buraco negro do seu desespero e você sabe que não pode acreditar nos olhos que mentem e cerra as pálpebras e as luzes fagulhantes desenham corpos enlaçados, a cama, os lençóis, o corpo branco dela e as flores do enterro das suas esperanças, os lírios infinitos, um caminho sem volta. Uma lápide negra e nela escrito - nunca mais. E os enlaçados pés, as pernas nuas e tudo muito claro. Você abre os olhos para não ver.
"Há pessoas de nervos de aço
Sem sangue nas veias e sem coração"
Seus nervos são de papel crepom, são de elástico mole, se desfazem na chuva, você grita alguma coisa rude, alguma coisa torpe e ela se curva sobre o ventre - ah seu ventre que eu amava sua curva da morte, meu enterro. O som do coração tum tum tum, o sangue espirra pelo quarto, borra a cama, escorre pelo ralo junto com você, amigo, você foi embora antes de chegar.
"Mas não sei se passando o que eu passo
Talvez não lhes venha qualquer reação"
Você olha a janela aberta, o céu lá fora, você sabe que existe alguma coisa em torno, mas é tão distante, menos o silencio. Subtraindo o som do que já foi, nada restou – dois corpos enlaçados, lençóis vermelhos, uma alma que escorre devagar e o ralo que você abriu no meio dos destroços do seu amor.
"Eu não sei se o que eu trago no peito
É ciúme, despeito, amizade ou horror"
Você joga o revólver no chão e vomita no banheiro a alma em pedaços. Você retorna do ralo, pega alguma coisa que sobrou de consciência, pede desculpas ao tempo, volta atrás, desfaz a cena e recomeça.
"Eu só sei é que quando eu a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor."
Então desliga o rádio, diz adeus Lupicínio, senta na realidade e descobre, aturdido, que o amor é, simplesmente, o ridículo da vida.
[N.B. - versos incidentais da música Nervos de Aço, de Lupicínio Rodrigues]
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
E SE A IDADE MÉDIA NÃO TIVESSE EXISTIDO?
E se a Idade Média não tivesse existido? Certamente ainda seríamos trogloditas e estaríamos poupados de certos vexames televisivos, tipo BBB, Gugu e Faustão. A Ponte Rio Niterói seria miragem e apagão aéreo seria crônica futurista. Não haveria classe média e as cavernas iluminadas por potentes tochas de óleo de baleia seriam condomínios de luxo.
A Idade Moderna surgiu do lampejo visionário dos alquimistas que procuravam a luz no fim do Túnel Rebouças para iluminar a escuridão cavernosa da Era Medieval. Descobriram o querosene de avião e ficaram sem saber o que fazer. Um alquimista mais inteligente inventou a pólvora, e outro, de nome Fiat Lux, mais inteligente do que o primeiro e o segundo, colocou um pouco da pólvora na ponta de um graveto. Aconteceu que o alquimista inventor do sapato com salto e solado de couro alemão resolveu pegar o graveto com a pólvora e friccionar na sola do sapato para tirar uma titica de cachorro encravado entre a sola e o salto. O atrito causou a combustão da pólvora e o alquimista, assustado com o fogaréu instantâneo, jogou o graveto longe e fez o sinal da cruz, pensando tratar-se de bruxaria dos colegas. A Mão das Invenções Casuais desviou o graveto para o barril de querosene de avião, que pegou fogo e queimou por várias noites e vários dias, e o calor gerado fundiu as junções das eras.
O alquimista que havia inventado o cigarro, e que só podia fumar quando havia tempestade, pegou um graveto seco, acendeu nas labaredas históricas, e pôde pitar numa boa.
Assim, do acaso que criou o fósforo primitivo, acendeu-se a chama que iluminaria a Idade Moderna e acenderia o cigarro de muitos viciados. O único inconveniente da época era ter que se levar um graveto grande no bolso, um tambor com querosene numa mão e o alquimista do sapato na outra.
Se não existisse a Idade Média, o grande marco da Modernidade, a Imprensa, não seria inventado e José Sarney reinaria sem contrariedade na Caverna Central sem que seus súditos soubessem dos atos secretos nomeando parentes e agregados. E Renan dos Bois de Ouro continuaria comendo a Chapeuzinho Vermelho enquanto a vovozinha da cidade de Murici tomava conta dos netinhos.
Banhando-se de cuia ou de rio, comendo frutas e animais silvestres, fazendo suas necessidades fisiológicas na mata, transando sexo nas moitas de capim, improvável que houvesse Copa do Mundo de Futebol e que os brasileiros tivessem que agüentar Romário, Ronaldo “Fenômeno”, Adriano, Galvão Bueno e toda tropa de elite do futebol até o ano 2014, e ainda chamar a isso de Orgulho Verde-Amarelo.
Vai que é tua, Taffarel!