sexta-feira, 10 de julho de 2009

FAÇA O QUE DIGO, MAS NÃO FAÇA O QUE FAÇO

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Conta o imaginário popular que em uma cidade do interior havia uma motorista de táxi imperita no volante e um padre de discurso desarticulado e enfadonho. Coincidentemente ambos morreram no mesmo dia e horário e, juntos, bateram à porta do Céu. São Pedro, cavalheiro, atendeu primeiro a mulher. Depois de examinar a sua folha corrida, deu-lhe permissão para entrar no Paraíso e desfrutar das benesses exclusivas dos beatos e santos. O padre entendeu ter o mesmo privilégio, ou mais até, porém o santo porteiro barrou a sua entrada e indicou-lhe o caminho do Purgatório. Inconformado com sua sentença, interpelou São Pedro, alegando ter sido um salvador de almas na terra, enquanto a moça fora uma ameaça pública, fazendo barbeiragem a torto e a direito, sem a menor noção de direção. São Pedro ouviu pacientemente o desabafo do sacerdote e explicou:

- A sua indignação é justa, padre, mas aqui no Céu vemos as ações humanas sob outra ótica: quando a moça dirigia, o povo todo rezava; quando o senhor pregava, o povo todo dormia. Entendeu a diferença dos atos? Ou nunca lhe disseram que Deus escreve certo por linhas tortas?

O caso seguinte aconteceu de verdade. No arraial do Junco havia uma prostituta chamada Ana de Camilo, única nas redondezas, e trabalhava dia e noite para atender a longa fila formada em sua porta. Era uma batalhadora consciente e incansável. Nunca transmitiu doença, apesar de ninguém usar camisinha. Cobrava conforme as posses de cada um, sem remexer menos por isso. Jamais reclamou da desdita nem fazia cara feia para o último cliente. A demanda era tanta que muitas vezes não se sabia quem era o último ou o primeiro da fila.

Na última viagem do Papa João Paulo II ao Brasil, escrevi uma crônica ao jornal local pedindo e justificando a canonização dessa mulher guerreira e relegada ao esquecimento. Que se faça justiça, conclamei aos quatro ventos para que fosse ouvido pelos cidadãos de bem que usaram e abusaram da única prostituta na história do arraial do Junco. Porém não contava com uma pedra no meio do caminho: o padre, que não conheceu Ana de Camilo nem enfrentou fila para molhar o pavio. Em pleno sermão da missa solene no dia da Padroeira, igreja vazando gente pelo ladrão, ele me excomungou com todos os efes e erres, me condenando à danação eterna. E como se não bastasse a sua ênfase de paladino da moral e dos bons costumes, colocou a minha cabeça a prêmio. A cidade se dividiu ao meio. Metade apoiou o padre em sua insanidade; metade queria justiça e achou que eu estava certo. O padre e a outra metade chamaram estes de hereges. Os de cá chamaram a outra metade de ingratos e proxenetas. Os ânimos se acirraram. O padre queria ressuscitar a Santa Inquisição, porém, no calor da contenda, alguém o flagrou praticando sexo com uma beata. Botou a boca no trombone e o povo se revoltou contra seu santo confessor. Para complicar mais ainda a vida do sacripanta, a beata era filha de um cidadão influente e o tarado foi expulso da cidade e, posteriormente, da Igreja.

Esses falsos moralistas destroem mais que erva daninha. São uma praga, no bem dizer. Uma vez me convidaram a fazer parte de um grupo de Literatura, desses em que tem um tema e a gente é obrigado a escrever e a comentar o escrito dos outros. Movido pela curiosidade, aceitei o convite, pois nunca havia participado de nenhum grupo antes. Chegando lá, o cara que se dizia o dono do pedaço esfregou as regras na minha cara. Não pode isso, não pode aquilo nem aquilo outro. Falar não podia. Calar também não. Fiquei sem saber que atitude tomar, achando tudo aquilo muito estranho, mas o pessoal que lá encontrei tinha necessidade de aparecer e dizia amém a tudo. O tal grupo tinha o estranho nome de “Oficina de Literatura Avançada”. Será que a minha incompreensão era porque minha literatura era abaixo da média dos deuses que lá habitavam?

Seu nome: Beato Salu, o Falso Profeta, cheio de códigos morais e espirituais. Expulsou um membro pelo simples fato de escrever a palavra “bunda”. Só podia ser um desbundado. Nada que fosse relacionado a sexo podia ser dito ou pensado. O Beato Salu era a personificação da intolerância sexual. E os meus eminentes colegas achavam tudo normal, era preciso frear a libido, pois havia muitas virgens no pedaço e elas não sabiam o que era “bunda”, justificavam.

Gente assim não existe, a menos que se ache uma explicação. Um dia resolvi investigar o cidadão, através de outras pessoas que o conheciam fora do grupo. Descobri que ele era viciado em revista de sacanagem e filme pornô. Ficava até altas horas visitando site pornográfico. Compreendi, então, que a couraça do recato e da virtude a qual ele se escondia era fruto do medo que se revelasse em público o que andava fazendo na calada da noite. Caiu o véu do sacrossanto e o Beato Salu sumiu, escafedeu-se do mundo virtual, sem deixar saudades do seu falso moralismo.

Mas essa aberração, que nem Freud explica, deixou cria nesse mundão cibernético, com os paladinos da moralidade e dos bons costumes cada vez mais ativos. Dia desses, noutro grupo ciber-literário, fui chamado de medíocre por um gaulês só porque falei que gostava de entornar uma cachacinha pelos botecos da vida. Mas ele pode entornar quantas garrafas de vinho quiser do alto da Torre Eiffel que isso é chique. Chiquérrimo. De onde eu vim tem isso não, seu moço! Vinho só de Jurubeba Leão de Norte, assim mesmo para queimar a “mardita”, antes que ela queime o estômago.

Por trás desses sites de literatura há sempre um grupo de bate-papo. Conversa de notáveis. Aqueles que têm um rei na barriga e vivem a dizer “eu só me basto”. É lá que reina o império das vaidades. Triste do infeliz que ousar discordar de algum deles. É guerra declarada. Como não tenho papas na língua, não precisa dizer que já fui expulso de um bocado, principalmente por discordar das regras ditatoriais que eles impõem. O último foi um desses grandes onde pairam milhares de beldades literárias que trocam figurinhas entre si. Caí na besteira de chamar o moderador de ditador e ele, para mostrar que não era ditador, me expulsou sumariamente.

Alegou que o moderador era um Onipotente, Onipresente, Onisciente e não poderia ser contestado. Ele estava acima do bem e do mal.

E assim são todos os moderadores desses grupos e sites de Literatura. Exceção dos sites argentinos. Como não falo Espanhol, nem eles Português, conversamos numa boa e já teve até uma moderadora argentina que deu guarida para o meu irmão Décio quando ele esteve em Buenos Aires. Por isso posso gritar aos quatro ventos com todo ufanismo literário: viva a Argentina!




2 comentários:

Maria Olímpia Alves de Melo disse...

Graças a Deus você continua o mesmo.

Elton S. Neves disse...

Muita boa crônica Tom,bem escrita como sempre,realmente estes moralistas de plantão com sua hipocrisia nada contribuem para a arte literária!Agora querer canonizar uma prostituta por mais que eu não tenha nada contra elas,ao contrário,como Baudelaire,as acho fascinantes,já é demais,e fica por conta da tua personalidade folclórica a qual respeito muito. Quanto aos sites literários,acho que dá para conviver numa boa com eles e seus respectivos moderadores,pois naqueles que participo nunca meteram o bedelho no que escrevo ou deixo de escrever. Acho que quando vc é coerente no que escreve não há com que ou quem se preocupar.Abraços.