quarta-feira, 11 de novembro de 2009

HORA DA REAÇÃO


Por Cineas Santos



De Hora da reação - Cineas Santos


Dia desses, remexendo um velho baú de “inutensílios”, garimpei uma pepita rara: um CD do Dick Farney com 14 pérolas da MPB. Entre as joias, figuram: “Copacabana”, “Não tem solução”, “Marina” e “Apelo”. Não bastasse isso, Dick dialoga com Lúcio Alves na faixa “Tereza da praia”, de Jobim e Billy Blanco, coisa de tirar o fôlego. Meus três leitores sabem quem foi Dick Farney e o que representa para a música brasileira. Para os mais jovens, uma dica de Ruy Castro: "Poder-se-ia dizer que Dick Farney foi uma espécie de S. João Batista da bossa nova – seu apóstolo e anunciador, o homem que primeiro congregou os fiéis para anunciar-lhes a boa nova e, ele próprio, um pregador suave, mas eloquente”. Para usar a linguagem da galera, na década de 50, Dick Farney era “o cara”.

Feliz como um garoto que acaba de ganhar a primeira bola de futebol, pus o CD no som do carro e deixei que o velho Dick me acariciasse os tímpanos por horas a fio. Parado no semáforo, ouvia “Aconteceu um novo amor/que não podia acontecer/não era hora de amar/ agora o que vou fazer?”, quando senti um abalo sísmico. Meu carro tremia como se sacudido por um terremoto. Nonada, como diria Guimarães Rosa, era apenas uma Hilux, preta azeviche, parada ao meu lado. A caçamba da caminhonete transportava um som capaz de curar a surdez pétrea do velho Beethoven. A música, digo, a laúza era, para variar, um desses “forrós” made in Ceará. No volante daquele bólido de 160 cavalos, um potro saradão, cabelos recobertos de gel, camiseta regata e ar petulante. Por um segundo, pensei em perguntar-lhe: – Moço, meu Dick está incomodando você? Mas, em boa hora, lembrei-me de que esses bem-nascidos desconhecem o sentido da palavra limite e não têm o menor respeito por ninguém, menos ainda por velhos. Limitei-me a levantar os vidros e esperar, aflito, que o semáforo me libertasse daquela tortura. Sinal verde: o moço se foi com seu cometa ruidoso. Naquela noite, a sorte não pegara carona no meu carro. Parei no outro semáforo, Dick sussurrando: “Eu, você, nós dois/ aqui nesse terraço à beira-mar/o sol já vai caindo...”, a terra voltou a tremer, minto, a vibrar. Ao meu lado, num carro médio, duas jovens esbaldavam-se ao som, digo, ao ruído de uma banda de forró, made in Ceará... Não seria a mesma do carro do rapaz? Impossível saber: são todas tão parecidas que, no meio das “músicas”, tem sempre alguém gritando o nome da banda para que se possa distingui-la das outras...

Incomodado, me perguntei: será essa merdalhada toda apenas uma jogada comercial bolada por um "gênio" ou terá algo mais grave por trás disso? Não será parte de um processo de imbecilização posto em prática pela indústria da maldade? Como ainda não encontrei a resposta, resolvi assumir parte da culpa. Explico: alguém já lhe feriu os tímpanos com boa música? Duvido! Quem gosta de música é sovina: ouve baixinho, curte sossegadamente, não divide com ninguém a não ser com a pessoa amada... Pois proponho aqui uma reação em cadeia: vamos botar Gil, Tom, Caetano, Milton, Chico, Elis, Ney, Marisa e até o sussurrante João no volume máximo, a toda brida. Vamos incomodar, com música de qualidade, os viciados em lixo ruidoso. Uma advertência: poderemos ser presos em flagrante por grave atentado ao despudor reinante.



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