sábado, 14 de agosto de 2010

Para Lennon e McCartney - Luís Pimentel



– A maneira de escrever não era assim que nem a do meu nome, não. Está aportuguesado, escrito conforme o nosso linguajar. O João, por exemplo, é John. O Leno se escreve, na verdade, de outro jeito. Dois enes, um agá e coisa e tal. Marcarte quer dizer Mc Cartney, de Paul Mc Cartney.
– Sei.
– Sabe coisa nenhuma. Estou perdendo o meu tempo te explicando essas coisas. Tu não tem a menor idéia sobre os caras de que estou falando.
– E preciso ter? Nem sei para que tanta informação. Eu só perguntei como era o teu nome completo.
– É João Leno Macarte da Silva.
– É esquisito pra cacete.
– É uma homenagem, mané. A dois caras muito importantes. Lennon e Mc Cartney, astros principais dos Beatles. Os músicos mais badalados, os melhores cantores e compositores. Sacou? Saca os Beatles?
– Não é do meu tempo. Mas já ouvi falar.
– Jesus Cristo também não é do teu tempo. Já ouviu falar, não já? Tem essa não, cara. Os Beatles. O conjunto de rock mais importante da história do universo.
– Mais que os rolinstones?
– Pô! Deixa no chinelo.
– Só lembro da música. Era um garoto, que como eu, amava os bitos e rolinstones.
– Isso aí. Meu nome vem daí. Meu pai juntou os nomes dos dois caras.
– E o da Silva?
– Da Silva é de família mesmo.
– E por que os teus pais fizeram essa sacanagem contigo? Leva a mal não, mas o teu nome ficou muito esquisito.
– Eles eram loucos pelos Beatles, além de loucos mesmo, no geral. Meu pai tomava porre, botava o disco dos caras na vitrola e se deitava no chão, abraçado com a caixa de som, babando na barba e acompanhando o som dos caras. Sabia todas as letras, principalmente as do John Lennon.
– E a tua mãe?
– Minha mãe curtia o Paul.
– Quem?
– Paul Cartney, o outro. Ela achava o cara lindão. E era mesmo. Outro dia vi o malandro na televisão. Tá velhaço, mas um velho bem apanhado. Minha mãe até fugiu com um sujeito que trabalhava no restaurante da esquina, só porque ele se parecia com o Paul.
– E o teu pai?
– Ficou com o John. Deitando no chão, abraçado à caixa de som, babando na barba.
– E ele?
– Ele quem?
– O Jon. Tá velhaço também?
– Morreu.
– De que?
– Meteram umas balas nos cornos dele.
– No morro? Era envolvido com tóxico?
– Claro que não, meu irmão. Foi um maluco que apagou ele. Um fã. O cara tá preso.
– E tu?
– Que tem eu?
– E por que tu veio parar aqui, no Frei Caneca?
– Me pegaram com uma arma e não tenho porte. Tomaram a arma e ainda me enfiaram aqui.
– E pra que tu queria a arma? Ia assaltar?
– Deus me livre. Sou do bem. Eu ia matar um cara.
– Aqui mesmo?
– Não. Na Inglaterra.
– Quem?
– O outro. O que sobrou. O tal do Paul.


Um comentário:

Toninho disse...

Bela criação,gostei muito e dei uma boa risada do dialogo.Fico a pensar, que no real temos um mundo destes dialogos e dá uma tristeza,né?