quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Antonio Torres: setenta anos de estrada

O mês de setembro, na Bahia, é tempo de se homenagear os Ibejis, representados na religião católica pelos gêmeos São Cosme e São Damião. Assim, católicos e iorubaianos se unem (e se reúnem) à mesma mesa de caruru, que deve ser acompanhado de vatapá, arroz branco, xinxim de galinha, feijão fradinho, pipoca, rapadura e rolete de cana. E muita cerveja e foguetório.

O mês de setembro, nas Alagoas, começou com um visitante ilustre que veio participar da primeira festa literária da cidade histórica de Marechal Deodoro, primeira capital das Alagoas, quando ainda tinha o nome de Vila de Santa Madalena da Lagoa do Sul: o escritor junquês Antonio Torres. Chegou aqui na tarde de sexta-feira, participou da Flimar no sábado à tarde, e, no domingo, cedo da manhã, pegamos estrada rumo à terra do Senhor do Bonfim.

Na Bahia, quem nasce em setembro comemora o aniversário à base do azeite de dendê, mas Antonio Torres não teve tempo de parar sequer numa birosca e abocanhar o pirão suculento duma moqueca apimentada, tantas foram as homenagens recebidas ao longo do caminho. Também, eu dirigindo e ele abstêmio, ficava difícil sentir o gosto duma loira gelada.

Chegado a tempo do almoço na casa do mano Raimundo, em Alagoinhas, depois de uns dedos de prosa, visitamos alguns parentes e amigos. Poucos. Os amigos dele, a maioria, morreu; os meus, fizeram como eu: debandaram da cidade. Na segunda-feira, véspera do feriado de sete de setembro, o carro não resistiu à buraqueira e os quebra-molas da estrada e “morri” na troca dos amortecedores e mais a ribombeta da parafuseta da direção. O jeito foi apelar para a solidariedade de Raimundo, que nos levou até o arraial do Junco em seu carro, depois de deixar meu velho fusquinha na concessionária da Fiat.

Queria chegar ao Junco em alto estilo, soltando fogos na Ladeira Grande, mas, na pressa, deixei os rojões na mala do carro. O jeito foi chegar discreto, como uma pessoa comum, sem alarde nem anunciação. Fomos direto para a Rádio Felicidade FM, onde estava agendada uma entrevista com o grande apresentador e campeão de audiência Arizio Torres.

Era dia de feira, muito vai-e-vem das pessoas e muitos bêbados nos botecos. Dia de segunda-feira é o único dia que vale a pena se ir ao Junco. Nos demais, é só solidão e suicídio. Alguns, insólitos, como o de sêo Bronzino que saiu de casa batendo a porta, desgostoso da vida, decidido a amarrar uma pedra no pescoço e se atirar no açude, depois de um pega pra capar com a mulher. Ao molhar a mão pra se benzer antes de cair n’água, gritou apavorado: “Vixe, Maria, mãe do Céu! Acabei de tomar café quente e ia me molhar nessa água fria!” E sêo Bronzino morreu de velhice, trinta anos depois.

Após a entrevista na Rádio Felicidade FM, procurei um balcão para molhar a garganta e jogar conversa fora com os da terra. Parei no bar de Luiz de Rouxinho, onde os pinguços da roça marcam presença. Raimundo e Tote foram forrar o estômago na casa de Nininho, onde Rita e João, outros irmãos, os esperavam. Já Nininho fez o sacrifício de me acompanhar na rodada etílica.

À tarde, Antonio Torres falou para alunos e professores no Grupo Escolar Prof. Edgard Santos, colégio onde levei muitos bolos de palmatória da Professora Serafina. Mas aprendi a ler, principalmente, escrever. A teoria da citada professora dizia o seguinte: ao bater na palma da mão, a gente gritava. Gritando, ativava a circulação. Ativando a circulação, irrigava o cérebro e assim a gente aprendia mais facilmente. Antonio Torres também estudou lá, com esta mesma professora, só que ele era cdf (lê-se: “cedêéfe) e, em vez de lapada no couro, recitava Castro Alves e Olavo Bilac.

A palestra foi mediada pela professora e poetisa Cristiana Alves, mestranda da Uneb, em Alagoinhas. Inhambupe mandou um caminhão de representantes, talvez em penitência de arrependimento pelas pedradas que recebíamos quando passávamos por lá, pongados em paus-de-arara. Foram tantas, que o Governo Federal teve que intervir, construindo um desvio da BR-110, retirando a passagem obrigatória por dentro da cidade.

À noite, muito fria por sinal, o Sr. Secretário das Finanças, Dr. Luiz Eudes, atuante nas Artes e nas Letras, promoveu um jantar em seu sítio, onde compareceram o prefeito, alguns vereadores e o presidente da Câmara, que, por um acaso, é o sogro do anfitrião. Também havia muitas loiras. Geladas, oxigenadas e naturais. Divinas e belas, “parecia que eu estava em Ipanema”, disse o escritor ao repórter do jornal A Tarde, dois dias depois, em entrevista na UEFS. Ipanema ou não, só sobrou pra nós a loira gelada servida em copo de cristal.

O escritor recebeu placa da Câmara de Vereadores, placa oferecida pelo prefeito e sua esposa, e placa da Prefeitura, em agradecimento do povo da terra ao seu filho mais ilustre. O Sr. Secretário da Educação fez um discurso emocionante, o prefeito, idem, e a cidade dormiu em berço esplêndido, sonhando com um porvir risonho. Mal o sol raiou, Luiz Eudes nos levou de volta a Alagoinhas, pois Raimundo precisou retornar no mesmo dia para pegar meu carro na oficina.

Quando chegamos na terra da laranja, era sete de setembro, dia de festa cívica na cidade. A população para nas calçadas das ruas centrais para assistir ao desfile infanto-juvenil das escolas. E do Exército e PM. E voluntários da pátria, LBV, Rotary e Clube dos Bêbados e Ligeiramente Bêbados. O último desfile que “não” assisti, foi aos dezenove anos, quando desfilei garbosamente na farda verde-oliva.
Disseram-me, antes de pôr os pés na rua para ver a banda passar, que a festa continuava brilhante tal qual nos velhos tempos; disseram-me, ao voltar desapontado, que foi o pior desfile de todos os tempos.

À tarde, carro aparentemente novo, pegamos estrada para Feira de Santana, onde o escritor passou dois dias sendo homenageado pelo povo de lá, via Universidade Estadual de Feira de Santana, a UEFS. Na garupa, Cristiana Alves, que falaria ao povo de Feira sobre os autores da sua terra e, ao voltar, daria testemunho de como o Junco é popular além da Ladeira Grande.

Mas aí já é uma outra história.



..................................................................................

Atendendo a inúmeros pedidos do povo do arraial do Junco, posto aqui, na íntegra, a entrevista de Antonio Torres À Arizio Torres, que foi ao ar pelas antenas da Rádio Felicidade FM, no dia 06 de setembro de 2010. Você, caro leitor deste blog, que não é do arraial do Junco, mas gosta do referido escritor, conheça mais sobre a vida deste que saiu de uma cidade que não constava no mapa do Brasil para entrar com glamour no mapa do mundo.


















Antonio Torres é homenageado no Junco.

Durante jantar na casa de Luiz Eudes, o escritor Antonio Torres recebeu homenagem da Câmara de Vereadores e da Prefeitura Municipal de Sátiro Dias, o velho arraial do Junco. O prefeito Joaquim Neto e sua esposa Vaitsa também lhe prestaram homenagem.




Antonio Torres na Roda de Prosa “O trabalho pedagógico com o livro e a leitura”, na Flimar, promovida pelas professoras Edna Lopes e Cláudia Pimentel.




Introdução da oficina de Antonio Torres na I Feira Literária de Marechal Deodoro.

Nenhum comentário: