Conta-se que, certa vez, a Prefeitura de São Paulo resolveu homenageá-lo por um pretexto qualquer. Armou-se um belo palco, convidaram-se intérpretes famosos, autoridades, imprensa e picaretas em geral. Meio deslocado, Adoniram recebia cumprimentos e empurrões. Lá pelas tantas, o homenageado já estava no fundo do palco. De repente, passa por ele o secretário de cultura do município. Sem levantar a voz rouca, o compositor perguntou: “Ô meu, não dá pra transformar isso tudo em...” e esfregou o indicador no polegar. O secretário sorriu amarelo, deu um tapinha nas costas do sambista e misturou-se aos notáveis. Sem ter o que fazer naquele palco estrelado, o autor de Saudosa Maloca desceu, procurou o botequim mais próximo e foi tomar sua cerveja e pitar um cigarrinho sossegado. Na hora de pagar a conta, comentou, irônico: “Tudo isso não me rendeu uma birita”.
Por que me lembrei disso? Bem, na semana passada, fui procurado por uma cidadã jovial, elegante, loquaz. Depois dos elogios de praxe, o pedido: “Professor, o senhor poderia me indicar um bom professor de português? Com essas novas regras, está todo mundo confuso. Queremos oferecer um curso básico de português aos nossos funcionários”. A cidadã é diretora de uma instituição. Provoquei-a com a pergunta: Pode ser velho? . A moça sorriu: “Claro, professor”. Fechei o diálogo: Estou à mão. Contrate-me e começaremos amanhã mesmo. A jovem senhora não escondeu o espanto: “O senhor?! Impossível: o senhor é famoso e não podemos pagar-lhe”.
Sem querer comparar-me a Adoniram: ele era um gênio; eu, um simples come-giz, repito, com outras palavras, o que ele afirmou: a minha ‘fama’ não me rende um mísero contrato temporário de trabalho. Curiosamente, sou solicitado a cada instante para proferir palestras, escrever prefácios, e “abrilhantar” festa de formatura, de batizado de cachorro, de casamento de boneca, de enterro de anão... De graça, é claro!
Minhas irmãs, meu irmãos: espalhem aos quatros ventos que sou apenas um professor; que não quero cargo, homenagens, louvações. Quero apenas que me contratem para ministrar aulas. É certo que não sei muito, mas como já errei o bastante, posso evitar que meus alunos cometam os mesmos erros que cometi. Posso ensinar-lhes, por exemplo, distinguir fama de brilhareco.
2 comentários:
Sucesso , hoje e sempre , professor
Cineas.
Um abraço,
Rita Jankowski
Professor Cineas, como não admirá-lo? Além da ótima construção do texto, com ligações interessantes, percebo que a elegância é sua marca, mesmo em ocasiões lúdicas ainda mantém a 'pose'... Parabéns!
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