sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Da Necessidade de Fazer - Cineas Santos

De 1822 - Laurentino Gomes


A cidadã, bastante judiada pelo tempo, aproximou-se de mim, olhou-me como se estivesse vendo um animal empalhado e disparou: - Quando o senhor vai se aposentar, professor? Engatilhei a resposta que a Dercy Gonçalves trazia, na ponta da língua, para esse tipo de pergunta: “Estou te incomodando?”. Segurei o freio de mão e recorri ao Bandeira: Quando a indesejada das gentes chegar... Pela cara que fez, não entendeu patavina. Como eu não estava disposto a cevar aquela prosa insossa, fiquei quieto. Se bem entendi, teria sido minha aluna, num desses cursinhos da vida, no milênio passado. Falou dos cursos feitos, dos casamentos desfeitos, dos filhos bem-sucedidos, da netinha “linda”, que já balbucia “bobó”... Ossos do ofício.
Quando a cidadã se foi, me dei conta de que talvez ela tenha razão: acho que já está na hora de eu sair de cena. Fiz as conta e espantei-me: são 41 anos de errâncias, sem direito a um descanso na loucura. Ao longo desse tempo, ministrei milhares de aulas, proferi centenas de conferências, editei todos os autores piauienses de expressão e promovi eventos culturais com a compulsão de quem só sabe fazer, fazer, fazer...É certo que, às vezes, bate uma tristeza, um desencanto e a sensação de que se eu não tivesse feito nada, o resultado seria o mesmo. Pra não morrer de vez, digo a mim mesmo: não posso ser maior do que sou. Respiro fundo e começo a engendrar novos projetos. Um exemplar temporão do homo faber. Nada além.

Aonde quero chegar? A lugar nenhum: eu já estou voltando. É que na semana passada, li o livro 1822, de Laurentino Gomes, o historiador de maior sucesso no Brasil. Laurentino, para quem não se lembra, é o autor de 1808, um best-seller brasileiro. A convite do Salipi, o pesquisador esteve no Piauí, visitou Campo Maior, conversou com intelectuais piauienses e recebeu de presente a Coleção Independência (cinco volumes – Ed. Fundapi)), editada pelo venerável prof. Santana, com a minha modesta colaboração. A estratégia deu certo: em 1822, há um capítulo dedicado à Batalha do Jenipapo. Lá pelas tantas, afirma o autor: “Ignoradas pelos brasileiros das outras regiões, as tumbas dos heróis anônimos do Jenipapo contêm uma lição. É um erro acreditar que as regiões Norte e Nordeste apenas ‘aderiram’ ao império do Brasil depois que a independência já estava assegurada no sul do país. Por essa interpretação equivocada, a decisão teria se tornado inevitável diante da consolidação do poder de D. Pedro no Rio de Janeiro e do enfraquecimento da metrópole portuguesa às voltas com dificuldades políticas e financeiras. Na verdade, a independência nessas regiões foi conquistada palmo a palmo ao custo de muito sangue e sofrimento”(p.188).

Finalmente, um historiador sério, depois de ler as obras que editamos, resolveu mostrar ao país o papel do Piauí nas lutas pela independência do Brasil. Pode parecer pouco, mas já é o primeiro passo. Eis por que vamos continuar fazendo, fazendo, fazendo, até que a indesejada das gentes nos convoque para a viagem do esquecimento. Assim seja.

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