A palavra medicina não frequentava o estreito universo vocabular dos moradores da minha aldeia .É certo que ouvíamos falar dos doutores, mas estavam tão próximos de nós quanto as estrelas, as sereias, a fortuna... O médico mais próximo, um certo Abílio de Lima Costa, estava a 12 léguas de distância, e o transporte de que dispúnhamos era o jegue. Para quem não conhece a psicologia desse ser singular, uma explicação sucinta: trata-se de um animal sistemático, para dizer o mínimo. Se estiver quente, deita-se com a carga; se fizer frio, amiúda o passo; se estiver chovendo, empaca de vez. Digamos que a verdadeira inclinação do jegue seja o descompromisso com horários, o gosto pela contemplação e as contendas ( taí a palavra adequada) amorosas. Não se pode contar com jumento para emergências. Mas isso será objeto de outra arenga.
Não por acaso, as figuras mais notáveis da minha aldeia eram a parteira, a benzedeira e o curador. Dos três, o curador era o mais reverenciado, visto poucas pessoas possuírem o dom que a natureza lhes deu: neutralizar o veneno das serpentes com simples cusparadas. Saliva de curador não tinha preço...
Por falta de médicos e remédios industrializados, com exceção da Aguardente Alemã, que curava tudo, recorríamos a rezas, mezinhas, unguentos e chás de todas as versidades. As doenças não eram tantas, mas a morte, como um gato manso, estava sempre ronronando por perto. O primeiro grande desafio de uma criança sertaneja era sobreviver ao mal de sete dias, na verdade tétano. Como o cordão umbilical era cortado com faca cega, tesoura enferrujada ou caco de vidro, os riscos eram enormes. Mas tínhamos nossas defesas: para cicatrizar a ferida do umbigo, sarro de cachimbo; para endurecer a moleira, gema de ovo quente; para minimizar os efeitos da coqueluche, leite de jumenta preta; para crise de asma, mel de Cupira ou caldo de cauã; para verminose, semente de abóbora ou melão-de-são-caetano... E havia uma profusão de chás: chá de carqueja, de pau-de-rato, de casca de laranja da terra, de entrecasca de aroeira, de folha de mamão, de raspa de juazeiro e o mais insólito de todos: chá de bosta de cachorro. Não ria, leitor, que a prosa é séria. Não acredita? Pergunte aos mais velhos. Era o chá recomendável para expurgar o sarampo das entranhas da molecada. Deste, me livrei por um triz: quando o sarampo me alcançou, eu já morava na cidade.
Mas vamos ao que realmente interessa: no início da semana, passando em frente a uma lojinha de artigos femininos, vi uma placa que me deixou curioso: PREPARAMOS CHÁ DE LINGERIE. Pensei comigo: estou vendo coisas. Parei,olhei,soletrei. Era isso mesmo. Ao me vir ali especado na porta, uma das vendedoras aproximou-se: “Posso ajudá-lo, senhor?” Meio desapontado, gaguejei: É sobre o chá... “Pois não!” A gente pode pelos menos saber quem usou a peça? A moça arregalou os belos olhos e disparou: “O senhor é louco ou o quê? O senhor bebe?!” É justamente sobre isso que queria falar, moça. Posso até beber e com muito gosto, mas preciso ver como é preparado e saber a procedência da peça...
A jovem bateu-me a porta na cara e me deixou falando sozinho. Mocinha estressada, sô!
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