terça-feira, 14 de junho de 2011

Cineas Santos - Se essa rua fosse minha...


Dileto amigo veio visitar-me. Abancou-se, bebemos café forte, conversamos sobre amenidades, rimos um bocado. Na hora da partida, não se conteve: você está no lugar certo. Esta rua é perfeita para acoitar velhos, afirmou. Impossível não concordar com ele. Moro na Lemos Cunha há um quarto de século e posso assegurar que se trata de rua atípica, pelo menos para os padrões teresinenses. Pra começo de conversa, nela não há um bar, uma bodega, uma padaria, uma farmácia, uma birosca onde se possa comprar uma caixa de fósforos, uma maço de velas, um Cibazol. Os muros são altos e as cercas elétricas vendem a ilusão de segurança que todos procuramos. À noite, não fosse um vigilante motorizado com sua cigarra eletrônica, poder-se-ia repetir Quintana: “Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro.../Nem guardas para acaso persegui-los...” Comprida, reta, silenciosa, a minha rua não possui nenhum atrativo especial. A nota alegre fica por conta dos passarinhos. Como ainda há árvores nos quintais, os pássaros escorraçados da periferia adonam-se de cada polegada do verde minguante. Livres das baladeiras, bem-te-vis, anuns, rolinhas e pardais cantam livremente. Pelo menos para mim, o canto dos pássaros, em liberdade, é sempre uma “promessa de vida”, como diria o poeta.

Já descrevi a minha rua em outras ocasiões, sempre ressaltando o sossego que a caracteriza. Receio que, a partir de hoje, não voltarei a fazê-lo. Por ordem ou pedido não sei de quem, resolveram asfaltar a Lemos Cunha. Na segunda-feira, acordei com o barulho das máquinas e o inconfundível cheiro de piche. Percebi que alguma coisa estava errada: os pássaros estavam mudos. Abri o portão para conferir a novidade e sondar a reação dos vizinhos. Um deles, visivelmente satisfeito, berrou: finalmente, a prefeitura se lembrou de nós, professor! Contrafeito, esbocei um sorriso chocho e, calado, engoli minha tristeza. Posso estar enganado, mas acredito que os dias (principalmente as noites) de sossego em minha rua acabaram...

Na contramão de tudo, Teresina fez sua opção preferencial pelo automóvel. Num ritmo frenético, alargam-se ruas, rasgam-se novas avenidas, mutilam-se praças, tudo para abrir mais espaço para os carros. Trata-se de uma batalha perdida. Em nenhum lugar do mundo, resolveu-se o problema do transporte urbano aumentando o número de automóveis nas ruas. Hoje, em nossa cidade, é mais fácil comprar um carro do que encontrar espaço para estacioná-lo. Paradoxalmente, a frota de ônibus cresce num ritmo lento, muito lento...

Sem ter a quem recorrer, limito-me a parodiar o poema “A rua diferente”, de Carlos Drummond de Andrade: Minha rua acordou mudada/ Os vizinhos estão satisfeitos/sabem que a vida tem dessas exigências./ Inconformados, só eu e os pássaros mudos...


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