sábado, 13 de agosto de 2011

Cineas Santos - A crueza dos contrastes

Na semana passada, presenciei dois fatos que, sem nada em comum, alertaram-me sobre os contrastes que marcam o cotidiano de Teresina. O primeiro: ao percorrer uma das avenidas mais agitadas da capital, ao meio-dia, me dei conta da loucura em que se transformou o trânsito da cidade. Ao longo de todo o trajeto, automóveis, ônibus, ciclistas e pedestres disputavam cada polegada de chão com aquela pressa suicida dos irresponsáveis. Buzinas, freadas, imprecações: um show imprudência e incivilidade. De repente, saído não se sabe de onde, um cidadão comum, encarapitado numa bicicleta desconjuntada, pedalava lentamente, alheio à fúria do trânsito. O sossego do ciclista já seria algo inusitado naquele universo caótico. Não bastasse isso, aquele homem, de idade inescrutável, transportava um jacá na garupa da bicicleta e, no jacá, cachos de tucum. Para os mais jovens, tucum é um coquinho delicioso, isso se o freguês conseguir quebrar-lhe a casca, dura como pedra. O ciclista era um prosaico vendedor de tucum. Até o início da década de 90, a cena nada teria de extraordinária: nas ruas de Teresina, vendedores de bacuri, bacupari, pequi, pitomba, umbu, cajá e outras frutas silvestres disputavam os fregueses no grito. Um comércio informal com cheiro, cor e gosto reconhecíveis à distância. Parei o carro e acompanhei a trajetória do vendedor até onde a vista me permitiu. Ninguém parecia interessado na sua “estranha” mercadoria.

O segundo fato, menos prosaico e mais preocupante: no domingo passado, saí com uma equipe de TV para fazer um documentário. Paramos numa rua, de aparência sossegada, no bairro São Pedro. Mal começamos a filmar, aproximou-se um cidadão que lavava um automóvel em frente a uma residência. Ao reconhecer-me, pediu desculpas por estar sem camisa, e me fez um pedido: Professor, faça uma matéria sobre o nosso bairro. Um pedido razoável que, sem maiores sacrifícios, poderia ser atendido na hora. Fiz apenas uma pergunta: Meu irmão, o que o seu bairro tem de interessante em matéria de arte, cultura? O cidadão, com um olhar de desespero, respondeu: Nada, professor. O que temos de sobra aqui é violência. Violência a qualquer hora do dia ou da noite. Minha mulher foi assaltada na porta de casa; uma sobrinha do diretor da Faculdade Santo Agostinho foi assaltada na entrada da garagem do prédio... E desandou a falar sobre a violência que aterroriza os moradores da rua. Até aí, nada de extraordinário: Teresina, hoje, é uma das capitais mais violentas do país, embora a propaganda oficial diga exatamente o contrário. Extraordinário foi saber que aquele cidadão aflito é um policial civil. Em tese, o policial deveria ser a presença, ainda que simbólica, da segurança pública naquela rua triste. Na prática, um homem apavorado, pedindo socorro a uma equipe de TV. Um tanto constrangido, expliquei-lhe que o programa que apresento – Feito em Casa – não tem o viés mundo-cão. Desacorçoado, o moço retirou-se, deixando no ar o lamento: Desculpe incomodá-lo, professor, eu tinha esperança de que o senhor pudesse fazer alguma coisa por nós. O desabafo daquele policial desarmado estragou-me o domingo.

Foi aí que me ocorreu a seguinte reflexão: os teresinenses vêm fazendo um esforço extraordinário para livrar Teresina do seu jeito provinciano de ser. Querem-na “moderna”: livre de quintais, de vendedores de frutas, de pipas no céu azul. Nada de cadeira na calçada, de bodega na esquina, de picolé caseiro, de banhos no Parnaíba... O que essa brava gente insiste em não ver é que o “progresso”, feito de concreto, de asfalto, de ruas entupidas de automóveis, de supermercados e shoppings, cobra um preço muito alto. A conta – o medo e o desassossego – será rateada entre todos nós.


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