No milênio passado, eu e o prof. Adala Carnib apresentamos, por mais de um ano, um programa na Rádio Pioneira de Teresina. “Viva o sábado”, com duração de duas horas, ia ao ar nas noites de sábado, das 18 às 20 horas. O foco do programa era a educação, mas falávamos de quase tudo: cultura, ecologia, costumes, etc. Além de não nos pagarem nada pela produção e apresentação do programa, que ostentava a chancela do MEB, ainda tínhamos de levar nossos discos (os velhos vinis) para termos a liberdade de só tocar o que quiséssemos. E, em matéria de música, tínhamos um pacto inegociável: não tocávamos música estrangeira nem brega. Abríamos o “Viva o sábado” com o “Expresso 2222”, de Gilberto Gil, na voz de Simonal. A melodia de fundo era “Assim falou Zaratustra”, de Richard Strauss”, com arranjos de Eumir Deodato. O mais eram Elomar, Quinteto Violado, as feras da MPB e até o bruxo Hermeto Paschoal. Modéstia às favas, o programa era bem feito. Quanto à audiência, devia ser bem chinfrim.
Uma noite, uma radiouvinte (palavrinha antiga) me ligou: “Professor, para o senhor, o que é felicidade?”. Esperava, naturalmente, uma longa explanação com incursões pela filosofia, religião, literatura e o diabo a sete. Por preguiça e incompetência, fui direto ao ponto: minha irmã, para mim, felicidade é o dente que não dói. Insatisfeita com a resposta, a cidadã retrucou: “Honestamente, não entendi”. Rebati de bate-pronto: quando lhe doer um dente, você entenderá. E mais não disse. Confesso que, hoje, eu não teria resposta melhor. Na verdade, nunca me preocupei em procurar um conceito para felicidade. Basta-me fruí-la quando ela me concede o ar de sua graça, o que sói acontecer com alguma frequência.
Lembrei-me dessa história ao ler a bela crônica “A Preguiça de Sofrer”, do Zuenir Ventura. O cronista nos fala de sete cidadãs, quatro delas irmãs, com idades entre 73 e 90 anos. São amigas e costumam passar os finais de semana na região serrana de Itaipava. Tornaram-se amigas do escritor na década de 70. De amigas, passaram a fãs. Hoje são conhecidas como as Meninas do Zuenir. Onde quer que o cronista se apresente para uma palestra ou debate, lá estão as sete na primeira fila. A despeito da idade, continuam lúcidas, ativas e alegres. Trabalham, passeiam e divertem-se com um entusiasmo de matar de inveja muitos jovens. Há, entre elas, um acordo tácito: não se fala de doenças, de mágoas, de tristezas. Um dia, o Zuenir lhes perguntou qual a receita para o bom humor do grupo. Guilhermina, de 84 anos, respondeu por todas: “Tenho preguiça de sofrer”.
Dia desses, um desses sábios de plantão afirmou: “Um dos problemas do homem ocidental é a obrigação de ser ou de, pelo menos, parecer feliz em tempo integral”. Nessa busca desenfreada e inútil, vale tudo: de reza forte a cirurgia plástica, passando por drogas e livros de autoajuda (não seriam a mesma coisa?).Resultado: uma legião de neuróticos narcisistas e consumistas à procura do Valhalla. Enquanto isso, sem gastar um centavo, as Meninas do Zuenir curtem sua saudável preguiça onde quer que estejam. O poeta tem razão: “Viver deveria bastar”.
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