sábado, 3 de dezembro de 2011

Cineas Santos - A lenta agonia do Parnaíba

Matar um rio não deve ser tarefa fácil. Se o fosse, o Parnaíba, há muito tempo, já teria desaparecido da paisagem física do Piauí. Desde o início da colonização (século XVII), o Rio Grande dos Tapuias vem sofrendo agressões de todo tipo e, a despeito disso, “ainda pulsa”. Para que se tenha ideia da longa agonia do rio, basta ler o Relatório do engenheiro alemão Gustavo Luiz Guilherme Dodt, enviado ao presidente da província do Piauí, em 1867. Ao enumerar os problemas que afetavam a saúde do rio, afirma: “... ocorre que o estado do rio tende a piorar de ano para ano, pelo motivo que os habitantes das margens do rio cortam o mato que cobre as ribanceiras para plantar nelas fumo. As enchentes encontram desta forma as ribanceiras despidas de qualquer vegetação e, sendo elas formadas de areia muito fina e pouco barrenta, não podem resistir ao ataque das águas e partes consideráveis delas são arrojadas todos os anos no meio do rio, aumentando a quantidade de areia movediça já existente ali”. Como se pode perceber, o processo de assoreamento já estava em curso e bastante adiantado.

Dodt não se limitou a denunciar; apontou soluções: “...devem-se plantar nestas ribanceiras arbustos próprios que as cubram com seus ramos e formem, para o futuro, a resistência enérgica e menos dispendiosa, como o catumbi e outras semelhantes”. É enfático ao exigir o cumprimento da lei: “...que é necessário proibir-se o corte do mato que ainda existe (...) não carece mencionar que esta proibição se deve estender a uma zona de 25 metros de largura de ambos os lados do rio”. O minucioso Relatório de Dodt acabou devorado por traças e cupins nalgum arquivo morto de uma repartição qualquer. Quanto ao Parnaíba, assoreado e, agora, poluído, pode tornar-se apenas um “risco na memória”, como no poema do Dobal.

A exemplo de outros rios brasileiros, o Parnaíba tornou-se o escoadouro do lixo das cidades que banha ao longo de sua trajetória de pouco mais de 1.400 km de extensão. Em Teresina, por exemplo, além de esgotos e galerias pluviais, despejados no rio sem tratamento adequado, diariamente, centenas de carros são lavados na margem do rio, aumentando o nível da poluição, já bastante elevado.

Se matar um rio é um processo demorado, ressuscitá-lo é tarefa gigantesca e caríssima. Ingleses e sul-coreanos que o digam. Entre nós, um exemplo gritante é o do Tietê, um dos rios mais poluídos do mundo. Ao longo de 18 anos de erráticas tentativas, o governo já gastou US$1.6 bi e o estado do rio está pior do que no início do processo de “despoluição”, em 1992. Há quem afirme que boa parte desse dinheiro repousa placidamente em paraísos fiscais. Quanto ao Parnaíba, o que está previsto, para os próximos anos, é a construção de cinco barragens (isso mesmo) ao longo do seu curso. O rio nunca mais será o mesmo. Nem todos, porém, lamentam o destino do “Velho Monge”; as grandes construtoras têm bons motivos para sorrir.



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