quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Cineas Santos - Os semeadores de alegria

De Cara alegre do Piauí

Na semana passada, quando juntava a cabroeira do Cara Alegre do Piauí para mais uma jornada no sertão, uma cidadã, bem-nascida, me perguntou: “Professor, desculpe a curiosidade, mas o que o senhor ganha com esse projeto?”. A resposta cabível seria: a alegria de ensinar, aprender, compartilhar, conviver. De repente, me dei conta de que, para quem só se acostumou a ser servido, a resposta não faria o menor sentido. Em tom de pilhéria, respondi: nada, minha jovem, estou apenas gastando o que me resta de alento. A moça sorriu e desconversou. Indagações desse tipo não me surpreendem: já me fizeram perguntas mais diretas. Certa feita, um ex-colega de faculdade disparou: “Quando é que você vai parar de ser besta?”. Respondi de bate-pronto: nunca, meu irmão. Se o fizesse, já não seria eu; seria alguém como você, o que definitivamente não me agrada. Um dia, com sua sabedoria inata, Edson do Ministério de Nossa Senhora sentenciou: “Cada um para o que nasce”. Nunca ouvi nada mais verdadeiro.

Não seria exagero afirmar que a história do Cara Alegre se confunde com a minha trajetória de vida. Quando concebi o projeto, em 1977, eu sonhava alto: queria construir uma ponte cultural entre Teresina e os sertões do Piauí. Arrebanhei alguns amigos jovens - Paulo Machado, Fernando Costa, Margareth Coelho, Rogério Newton e Alcide Filho - e, amontoados num velho fusca verde-sonho, rumamos para Oeiras, Floriano, São Raimundo Nonato. O destino era Corrente, no extremo sul do Piauí. Na metade do caminho, a gasolina acabou. Por pouco, não voltamos a pé. Sem patrocínio e nem apoio das instituições, o projeto não deslanchou. Ainda assim, as sementes foram lançadas e permaneceram vivas. Ao longo desses 36 anos, nunca deixei de regar essa semente com suor e entusiasmo. 

Em 1997, o prof. Fernando Ferraz sugeriu um novo nome para o projeto que, até então, chamava-se Mão Dupla. Fernando propôs A Cara Alegre do Piauí, com o argumento incontestável: “Até hoje, só mostramos a cara triste do Piauí. O que ganhamos com isso? A piedade de alguns e o escárnio de muitos. Chegou a hora de mostrarmos a face luminosa de nossa gente: a cultura piauiense”. Encorpado e revitalizado, o projeto já percorreu o Piauí inteiro, de Teresina a Guaribas, levando oficinas de dança, canto coral, violão, escultura em argila, pintura, teatro, xilogravura e cursos das mais variadas disciplinas. Na verdade, semeamos alegria e entusiasmo nas comunidades visitadas.

No último final de semana, por exemplo, estivemos no município de Fronteiras, a 400 km de Teresina, para mais uma jornada . Seria ótimo se a cidadã que me fez aquela pergunta inteligente pudesse ver o brilho nos olhos das dezenas de alunos e professores que participaram dos cursos e oficinas. Não resisti à tentação de publicar, neste espaço, a foto da Ângela Kelly, de 11 anos de idade, que, embora nunca tivesse ouvido falar de xilogravura, com duas horas de oficina, fez uma xilo de matar de inveja muita gente metida a artista. Por essas e outras, vamos continuar semeando: alguma semente há de vingar. Assim seja.


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