Em qual palavra impermeável
Posso amarrar hoje
Meu pescoço
Pra não afundar nesse charco?
Âncora – Jeane Hanauer em Cronópio Godot
No dia 31 de dezembro conversava eu com o grande poeta e compositor Salgado Maranhão sobre a penúria dos poetas brasileiros. Os bons e os remediados. Se for verdade que quase todo brasileiro é um técnico de futebol, pode-se afirmar, também, que cada brasileiro é um poeta nato. Ou assim pensa que é.
Essa nação de poetas seria maravilhosa se o ego poético da esmagadora maioria não atrapalhasse o trâmite natural da poesia: os poetas que acham que sabem versejar, invariavelmente nunca leem seus pares, ímpares ou afins. Mal leem bula de remédio. E quando o milagre acontece de se ler outro poeta, é para se usar como espelho, nunca por prazer ou lazer. Comprar um livro? Nunca, jamais, em tempo algum! São adeptos do “eu só me basto e fim de papo” e a vida continua.
Coincidentemente, na semana seguinte, noutra conversa com o poeta piauiense Cineas Santos sobre o sucesso que Salgado Maranhão está fazendo nos Estados Unidos, com agenda cheia para palestrar nas universidades de lá, e ele, o Cineas, reclamou de como era difícil se vender livro de poesia no Brasil justamente “porque os poetas tupiniquins não gostam de ler outros”, disse ele. Acrescentou, indignado: “Uma então amiga, poetisa, veio me dizer que não lia outros poetas porque ela só se bastava”. Ele não me disse, mas, pela indignação, há de se supor que ela perdeu um grande leitor.
Esta semana recebi o último livro da poetisa paranaense Jeane Hanauer, “um ótimo livro por sinal”, disse a minha musa e também poetisa Edna Lopes, que leu “Cronópio Godot” em uma só talagada. No prefácio deste livro, o escritor paulista Pedro Bandeira puxa o mesmo assunto logo no primeiro parágrafo:
“Em minhas andanças, muito fazedor de verso me procura, desalentado, cansado de insistir, ansiando pela orientação de um veterano que lhe aponte algum caminho por onde seus versos possam penetrar a sensibilidade do “outro”. Pobre guia dos turistas da alma sou eu, que jamais pude levar pela mão um artista para fora do labirinto de seu isolamento! E eu perguntava quantas vezes ele mesmo, o poeta solitário, tinha entrado em uma livraria em busca de livros de poetas novos? Ou até mesmo dos velhos!? (...)”
O meu irmão mais velho Antonio Torres, hoje um romancista traduzido quase no mundo inteiro, sonhava em ser poeta quando conheceu Castro Alves. Para sua sorte, a minha mãe descobriu seus poemas debaixo do colchão, espalhou pela vizinhança e a ignorância arcaica de nossos tios refreou a veia poética do meu irmão. Mais tarde, em Alagoinhas, um professor deu o tiro de misericórdia, que foi a sua salvação: “Vá fazer prosa, seu Antonio. O senhor é muito ruim de verso”. Grande e sábio professor! Privou-nos de um poeta chifrin e deu ao mundo um grande escritor. Por isso que dizem que os anjos falam pela boca dos professores.
Na mesma conversa do dia 31, sugeri a Salgado Maranhão – que tempos atrás esteve envolvido com Geraldo Carneiro no Manifesto “Os Desmandamentos”, cujo objetivo era resgatar o papel político e poético da poesia – que abraçasse outro movimento lançado por mim, o da “Pirâmide Poética”, que consiste em cada poeta brasileiro comprar dez livros de outros poetas, como naquelas pirâmides financeiras que se fazia antigamente, assim o Brasil se tornará um grande sucesso editorial no gênero poesia.
E se você é poeta e quer entrar no topo dessa pirâmide, inclua na sua lista o livro “Cronópio Godot”, de Jeane Hanauer, uma divinamente meiga criatura que escreve versos delicadamente contundentes.
Ou, como me disse Antonio Torres, o ex-poeta que virou escritor, “Jeane é simplesmente uma grande poetisa”. Agora eu sei que é, meu mano!
Um comentário:
Nossa Poeta Tom Torres, belo retrato de nossos leitores, texto simpático e bem produzido, com bela postagem retratando a sina literária brasileira e até mundial, neste parágrafo tudo isto bem colocaco por ti Poeta:Essa nação de poetas seria maravilhosa se o ego poético da esmagadora maioria não atrapalhasse o trâmite natural da poesia: os poetas que acham que sabem versejar, invariavelmente nunca leem seus pares, ímpares ou afins. Mal leem bula de remédio. E quando o milagre acontece de se ler outro poeta, é para se usar como espelho, nunca por prazer ou lazer. Comprar um livro? Nunca, jamais, em tempo algum! São adeptos do “eu só me basto e fim de papo” e a vida continua. Abraço poético da Luiza De Marillac Bessa Luna Michel
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