Rezam as escrituras que Jesus Cristo teria sido crucificado entre dois malfeitores. Um deles, incorrigível, escarnecera do Salvador, desafiando-o a salvar-se a si próprio. O outro, de nome Dimas, ter-lhe-ia pedido que não se esquecesse dele ao adentrar a casa do Pai. Este entraria para a história como “o bom ladrão”. Consta que, uma vez por ano, Dimas volta a este Val de lágrimas para tentar resgatar algumas ovelhas tresmalhadas e reconduzi-las ao redil do Bom Pastor. Lendas, dirão os incrédulos. Mistério, dirão os crentes.
Deixemos, porém, de literatice e vamos ao que interessa. No dia 10 de dezembro do ano passado, em São João do Piauí, um desinfeliz pediu arrancho no casebre de mestre Carlitos e, ao romper do dia, fugiu levando uma sanfona que acompanhava o velho há 25 anos. Era o que de mais precioso havia no barraco. Seu Carlitos, 88 anos de idade, confessa que apenas duas vezes na vida havia chorado: quando da morte da mãe e ao perceber o furto da sanfona, uma velha Todeschini, presente de um genro. O meliante desapareceu sem deixar rastros.
O que o desocupado não poderia imaginar era a repercussão que o fato alcançaria. O prof. Gonçalo Carvalho, coordenador do Projeto Encantadores do Sertão, botou a boca no trombone, ou melhor, os dedos no teclado do computador e, numa fração de segundos, a história já estava na Itália onde um blog pedia a colaboração dos italianos para comprar uma sanfona nova para o velho. O mais correu por conta dos internautas, gente de todas as idades e estratos sociais. Por pouco, a ocorrência não chegou aos ouvidos do ministro da justiça. Não bastasse o alarido das mídias sociais, a mulher do mestre Carlitos, que conhece reza forte, também mexeu os pauzinhos: responsou o santo que tem poderes até para desencalhar solteironas enfusadas. Tiro e queda: atordoado, o larápio resolveu devolver a sanfona no último dia do ano. Parafraseando seu Carlitos, o mundo inteiro aplaudiu o gesto do “bom ladrão”. Coisa do Dimas? Sabe-se lá... O certo é que, para comemorar a devolução da sanfona, realizou-se, no dia 2 do corrente, um forró caprichado no terreiro do sanfoneiro. O couro comeu até os galos amiudarem o canto.
Em entrevista à Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, mestre Carlitos, muito emocionado, afirmou que já não vive de tocar sanfona, mas quando aparece um convite, aceita e não faz feio. Tem razão. Coube justamente a ele e ao garoto Isac, um sanfoneirinho de apenas 8 anos de idade, honra de abrirem o 1º Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato. Sem sair do tom, os dois tocaram “Assum Preto”, de Luiz Gonzaga. A plateia foi ao delírio ou, como diria mestre Carlitos: “Estralou palmas no mundo inteiro”. Não é fanfarrice. Meninos, eu vi!
Nota do blog: Este blog também entrou na campanha e alguns acauãzeiros colaboraram.
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