Decididamente, não sou o que se possa chamar de um cidadão religioso, místico ou espiritualizado, para usar a expressão da moda. Sou, a exemplo de milhões de brasileiros, um católico relapso que só se lembra do Criador quando a torniquete aperta um pouquinho além do suportável. É certo que fui batizado, crismado e frequentei aulas de catecismo onde aprendi a gaguejar a “Salve-Rainha”. Na meninice, com a cumplicidade das irmãs, andei até celebrando missas nas quais tentava fazer com que bolacha Maria e vinagre Tapajós se transubstanciassem em corpo e sangue do Cordeiro. Em boa hora, descobri que, nas celebrações religiosas, o que me atraía era o ritual e não a essência. Só as alegorias me fascinavam. Depois da Primeira Comunhão, afastei-me da Igreja, mas sempre me faltou coragem e competência para me tornar um ateu.
O fato de não seguir o figurino do bom cristão não me impede de observar alguns preceitos básicos do Cristianismo: não desonrei pai nem mãe; não prestei falso testemunho; não matei e nunca furtei nada de ninguém. Em relação à mulher do próximo, sempre mantive prudente distância. Quando muito, espicho os olhos na direção da mulher do distante... Mas de que é mesmo que pretendo falar? Ah, dos pequenos milagres! Paciência, irmãos: a velhice é irreversível.
Aos fatos: crio cachorros desde sempre. Não passo sem uns dois ou três vira-latas no quintal. Há coisa de uns cinco anos, eu tinha três cães: Igor, uma pastor-alemão de boa cepa; Tina, uma vira-lata bandoleira, e Tião, um pincher enxerido. Os três viviam em suportável desarmonia. Vai que uma noite, por volta das 23 horas, meu filho chegou à nossa casa, entrou e, inadvertidamente, deixou o portão aberto. Por volta da meia-noite, percebi o problema. Como um alucinado, saí à caça dos fujões. O meu receio era de que o pastor atacasse alguém. Como moro bem próximo da UFPI, comecei a percorrer as ruas, uma por uma, da Nossa Senhora de Fátima à Kennedy , subindo e descendo, parando e olhando. Vi cães de todas as raças e procedências, menos os meus. Comecei, então, um novo percurso: da N. S. de Fátima à Raul Lopes. Nada.
Por voltas das três da manhã, extenuado, aflito, desanimado, resolvi refazer o antigo percurso. De repente, ao passar em frente ao Colégio Madre Savina, na Av. Jóquei Clube, resolvi, sem qualquer convicção, recorrer àquela freirinha de aspecto doce e angelical. Madre Savina, me ajude a encontrar esses malditos vira-latas! Acreditem se quiser, ao chegar à N. S. de Fátima, por onde já passara dezenas de vezes, lá estavam os três vadiando alegremente. Sem maiores sacrifícios, levei-os para casa.
A partir daquela noite passei a prestar atenção nos pequenos milagres que me acontecem todos os dias. Não me tornei um cristão melhor, mas alguém mais atento. O velho poeta tem razão: “Quando nada estiver acontecendo, é porque um milagre já aconteceu”.
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