Alguns religiosos,
principalmente os padres de paróquias do interior, creditam a seca que ora
assola o sertão nordestino a um castigo divino. Supondo que haja fundamentos
nas fundamentações fundamentalista dessa gente apocalíptica, Deus
misericordioso iguala os pecadores e atinge a iniquidade sertaneja com o maior
dos castigos: a sede e a fome. Lançasse uma bola de fogo sobre os ímpios e
estaria tudo resolvido.
No Velho Testamento, em
“Juízes”, Deus criou um enredo de violência, amor e traição com o único objetivo
de baixar a crista dos filisteus. Ele, contrariado com a desobediência do seu
povo escolhido, tornou-o escravo dos filisteus como penitência de quarenta anos.
Enquanto os judeus eram redimidos na chibata filisteia, Deus criou uma história
paralela tendo Sansão como o salvador da pátria. A juba fortificante, a vida desregrada, a
traição de Dalila depois de sete semanas de amor, foi tudo maquinação divina
para colocar Sansão dentro de um banquete filisteu sem ser convidado. E a nata filisteia sucumbiu à ira divina sem
saber que tudo estava escrito nas estrelas e que a festa, na verdade, era para se comemorar o fim dos quarenta anos de servidão judaica.
Deus escreve certo por
linhas tortas, diz o ditado, porém a sinuosidade das linhas às vezes é muita
penosa. Depois de muito matutar, cheguei
à conclusão de que a seca que assola o Nordeste, se realmente for castigo
divino, então o desejo de Deus é o de acabar com a descaracterização da festa
do santo mais popular da região: São João. Antigamente o São João era
comemorado ao som do forró pé de serra, regado a licor de jenipapo e de comidas
típicas. Nos últimos tempos a coisa desandou para a safadeza de shows eróticos
e milionários que em nada tem a ver com o evento. Dupla sertaneja, reggae, axé
music, technobrega e o escambau, enquanto artistas do cacife de Dominguinhos,
Santanna, Flávio José e outros bons forrozeiros ficam de fora. O que é que
Adriana Calcanhoto tem a ver com forró? Um tal de Luan Santana, a versão
masculina da Barbie sertaneja e presença garantida nos palcos joaninos de
algumas prefeituras miseráveis, cobra um cachê de quinhentos mil reais para
fazer duas horas de show. Ora, se Ele enviasse uma bola de fogo sobre a
tríplice aliança da mídia corrupta, os empresários safados e os prefeitos
espertos, tudo se resolveria sem traumas e sem angústias, além de livrar o
mundo da indecência humana.
A farra com as ervas
daninhas da música brasileira não teria importância se a conta não fosse paga com
o minguado dinheiro de prefeituras de cidades pobres de Jó, algumas sem posto
médico nem escola decente. Quanto mais pobre, mais metida em mega shows. No ano
passado, uma pequena cidade do sertão norte da Bahia contratou uma dupla de
dois sertaneja para fazer o show na noite de São João. Antes de fazer o show, a
dupla mandou medir o palco. Depois das medições, a sertanejada alegou que o
palco tinha um metro a menos do combinado em contrato, colocou a viola no saco
e pegou a estrada de volta. O cachê, algo em torno de trezentos mil reais, pago
dias antes, desceu pelo ralo do desperdício.
Felizmente, nesse mesmo ano,
o prefeito da minha terra, que era um megalomaníaco musical, foi abduzido pelo
bom senso e contratou apenas artistas ligados ao mês joanino, cujos cachês
estavam dentro da razoabilidade financeira dos patrocinadores. No São João
deste ano, por causa da seca, o arrasta-pé será por conta dos sanfoneiros locais.
Lá em cima, além das nuvens,
no próximo mês São João deverá encher os olhos de satisfação, pois, a exemplo do
velho Junco, na maioria das cidades atingidas pela sequidão, os festejos
juninos serão à moda antiga, do povo dançando ao som da sanfona, da zabumba e
batendo nas portas relembrando a pergunta que nem o tempo fez o povo esquecer:
- São João passou por aqui?
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