Assim como a maioria dos municípios brasileiros, o arraial do Junco comemora sua emancipação política em data equivocada. Levei o problema ao prefeito, ele encaminhou ao nobres edis que reconheceram mérito nas minhas colocações, pediram para fundamentar, fundamentei, encaminhei para todos os vereadores, para o prefeito, para o secretário de Educação exatamente em agosto do ano passado, mas, infelizmente, acho que eles tiveram coisas mais importantes a fazer que pouca importância deram ao assunto.
Abaixo, as minhas alegações a respeito, encaminhadas aos nobres edis.
O
QUE É “O MUNICÍPIO”
Entende-se
como “município” a cada uma das subdivisões territoriais dos estados membros de
uma federação, com personalidade jurídica e autonomia administrativa,
constituído de Prefeitura, Câmara de Vereadores e órgãos gestores. Vem da
palavra latina, “municipium”, antiga designação romana conferida às regiões conquistadas
que tinham o privilégio de governar-se segundo suas próprias leis, em troca de
obediência a Roma.
A
divisão territorial brasileira teve início com as capitanias hereditárias, cujo
objetivo maior era garantir a posse das terras para Portugal. Eram 15 unidades
autônomas e desarticuladas entre si e seus donatários se constituíam na
autoridade máxima dentro dos seus limites e tinham o compromisso de
desenvolvê-las e povoá-las. Porém, devido a vários fatores, apenas duas
capitanias prosperaram, o que obrigou a Coroa portuguesa a criar o Governo
Geral, com o objetivo de centralizar a administração e a organização da
colônia. A partir de 1720 os governadores gerais passaram a receber o título de
vice-reis, cargo extinto em1808 com a chegada da família real ao Brasil.
As
povoações mais importantes formadas dentro das capitanias receberam o foro de
vila e passaram a ter uma câmara de vereadores como sede do seu governo, que
acumulava as funções administrativas, legislativas e judiciárias, além de poder
fiscalizar os alcaides do rei. Os vereadores tinham amplas prerrogativas e eram
eleitos pela base do poder oligárquico local, chamados de “homens bons”. A ordenação
jurídica que regulava o poder local era inspirada nas ordenações reais para a
administração municipal portuguesa.
Em
1821 o sistema de capitanias foi extinto e as mesmas se transformaram em
províncias. A constituição imperial de 1824 manteve seus limites e deu pouca
autonomia aos seus governantes, sendo que os mesmos eram indicados pelo
Imperador. Do mesmo modo, a autonomia municipal foi reduzida e as câmaras de
vereadores passaram a ter funções meramente administrativas. Com o advento da
República as províncias adquiriram natureza jurídica autárquica e se transformaram
em estados autônomos em relação ao poder central. Já a Constituição republicana
de 1891 foi omissa quanto à autonomia municipal, repassando às constituições
estaduais o poder de decidir sobre o assunto. Isso gerou o centralismo político
dos governadores que intervinham até nas eleições de prefeitos. A Constituição
de 1934 conferiu ampla autonomia aos municípios, porém só durou até 1937, com a
introdução do Estado Novo. Em 1939 os municípios passaram a ser tutelados pelo
Estado.
Com
a vitória dos aliados na 2ª Guerra Mundial, a ditadura Vargas caiu e em 1946
uma nova Constituição restabeleceu a autonomia dos municípios, porém a Ditadura
Militar de 1964 impôs uma nova Constituição ao país, acabando com a autonomia
política municipal e até extinguindo eleições livres em alguns, como as
capitais e estâncias hidrominerais. Com o fim da Ditadura Militar em 1985 e com
a nova Constituição de 1988, os municípios ganharam mais poderes e foram
reconhecidos como o terceiro poder administrativo da federação.
O
ARRAIAL DO JUNCO, O DISTRITO E A CIDADE DE SÁTIRO DIAS
O
arraial do Junco se originou em terras da Fazenda Junco de Fora, que fazia
parte de uma das sesmarias dos Garcia d’Ávila e doadas ao inhambupense
Conselheiro Dantas pelo Visconde da Torre. Em meados da década 1850 o
Conselheiro Dantas convidou o vaqueiro João da Cruz para administrar esta
Fazenda e o mesmo aceitou. Anos depois o Conselheiro colocou suas terras à
venda e grande parte dela foi adquirida por João da Cruz, seus descendentes e
mais outros parentes e amigos que migraram de Bom Conselho até a Fazenda Junco
de Fora.
De 1877
a 1879 uma grande seca assolou o Nordeste, o que obrigou os filhos de João da
Cruz a construir moradia num lajedo denominado “Malhada das Pedras”, que ficava
perto da Lagoa das Pombas, propriedade de Manoel José da Cruz. Em 1884, Manoel José
da Cruz fincou uma cruz no alto do morro de onde podia se ver as suas posses.
Em 1887 a igreja de Inhambupe desmoronou e o padre passou a realizar missa nos
locais onde havia casas de orações. Então Manoel José da Cruz, também conhecido
como Manezinho dos Pilões, construiu uma casa de orações ao lado do cruzeiro,
onde o padre de Inhambupe passou a celebrar missa. O local ficou conhecido como
Alto da Cruz da Boa Vista.
Como
havia uma grande afluência de fazendeiros e agregados para a casa de orações
nos dias de missa, os mesmos foram adquirindo lotes no lajedo de Manezinho dos
Pilões e construindo casas para repouso depois de cumpridas as obrigações
religiosas, e assim nasceu um arraial, denominado arraial do Junco, devido ao
antigo nome da fazenda Junco de Fora. Em 1927 o arraial foi elevado à categoria
de 4º distrito de Inhambupe com o nome de Sátiro Dias em homenagem a um médico
inhambupense. Em 1958 foi aprovado pela Assembleia Legislativa da Bahia o desmembramento
de Inhambupe e assim ficou constituído o município de Sátiro Dias.
A
EMANCIPAÇÃO POLÍTICA E ADMINISTRATIVA DE SÁTIRO DIAS
Na
década de 1950 os ideais separatistas ganharam forma na população do distrito
de Sátiro Dias chegando ao auge em 1958, ano de eleições gerais. Liderados por
Ioiô Cardoso e Piroca Reis, como eram conhecidos José Belarmino Cardoso e Pedro
da Rocha Reis, respectivamente, este último, vereador em Inhambupe, o movimento
pela emancipação retumbou na Assembleia Legislativa da Bahia o que levou o
deputado João Carlos Tourinho Dantas, bisneto do Barão de Jeremoabo, a
apresentar o Projeto de Lei nº 1.032, criando o município de Sátiro Dias.
Votado, aprovado e sancionado pelo Governador Antonio Balbino em 14 de agosto
de 1958, foi publicado no Diário Oficial no dia seguinte.
O
fato histórico foi comemoração pela população nos dias que se seguiram e até
hoje é festejado o dia 14 de agosto de 1958 como a data magna municipal. Porém
ocorreu uma interpretação equivocada da data da emancipação política que persiste
até os dias atuais e que requer sua correção, tanto pelo poder executivo quanto
pela egrégia câmara legislativa municipal, haja vista Sátiro Dias ter continuado
sob o domínio de Inhambupe até o dia 06 de abril de 1959, se tornando município
de fato e de direito no dia 07 posterior, conforme o enunciado categórico do
Artigo 3º da Lei 1.032:.
Art.
3º: “A eleição do Prefeito e Vereadores do Município de Sátiro Dias será realizada
simultaneamente com as eleições gerais de 3 de outubro do corrente ano, e a
instalação do município e posse dos eleitos efetivar-se-ão a 7 de abril de
1959, ficando o seu território, até lá, sob a administração de Município de
Inhambupe.” Decreto-Lei de nº 1.032 /
1958.
Não
obstante o Artigo supracitado deixar evidente que “a instalação do município” efetivar-se-ia a 7 de abril de 1959, a
redação seguinte deixa claro que até o dia 06 de abril de 1959 Sátiro Dias
seria administrado por Inhambupe, portanto, até esta data, ainda não havia um
município legalmente constituído, com autonomia administrativa, econômica e
política, consequentemente, não há como dizer-se “emancipado”.
Observar-se-á
no Art. 4º da referida Lei, abaixo por mim grifado, que Sátiro Dias é tratado,
ainda, como distrito, ficando a arrecadação dos tributos municipais a cargo de
Inhambupe, até a data de 06 de abril de 1959.
Art. 4º - O município de Inhambupe, fica
obrigado a aplicar no atual distrito de Sátiro Dias, até lá a sua instalação
como município, 70% (setenta por cento), pelo menos, da renda nele arrecadada.
Decreto-Lei
de nº 1.032 / 1958.
Para
corroborar o exposto, a Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, também
conhecida como a Constituição que mais obsequiou os anseios municipalistas, assim
se manifestou quanto à autonomia dos municípios:
“Art.
28 - A autonomia dos Municípios será assegurada:
I - pela eleição do Prefeito e dos
Vereadores;
II - pela administração própria, no que
concerne ao seu peculiar interesse e, especialmente,
a) à decretação e arrecadação dos
tributos de sua competência e à aplicação das suas rendas;
b) à organização dos serviços públicos
locais.”
Constituição Federal de 18 de Setembro
de 1946.
Estando
o país à época da referida emancipação sob a égide da Constituição de 1946, é
lícito reconhecer que antes do dia 07 de abril de 1959 não havia condicionante
que levasse Sátiro Dias a se inserir no contexto constitucional da Carta Magna em
vigor, por conseguinte, há de se inferir que ainda mantinha seu status quo de dependência de Inhambupe.
Destarte,
baseado na arguição ora apresentada, faz-se necessário o resgate da
autenticidade histórica por parte de vossas excelências: que se decrete o dia
07 de abril de 1959 como o dia da emancipação política do município de Sátiro
Dias e revoguem-se as disposições contrárias.
Em
anexo, transcrição da Lei 1.032 de 14 de agosto de 1958, cujo original do
Diário Oficial encontra-se arquivado nos anais da Câmara de Vereadores de Sátiro
Dias.
Certo
de contar com vossas excelências, agradeço,
Atenciosamente,
Ronaldo Antonio Torres Cruz
3 comentários:
É Tom, um belo texto mas, muito grande, nossa Câmara Legislativa conta com um efetivo parcialmente semi-analfabeto, a outra parte, como vc colocou no face, estão sempre ocupado com assuntos mais importantes, como a Creche Municipal (obra parada e q deveria ter sido concluida no início do ano; a creche fuciona de forma precária em 02casas alugadas), o calçamento da portelinha (promessa de campanha nas eleições passadas), Obra do canal(ñ entendo como enterram 1milhão de reais naquele buraco), entre outras tantas obras de tanta importância para o nosso amado povo satirodiense.
Bem Tom, é issu, espero q o povo veja para onde estamos caminhando e possam mudar o curso dessa embarcação.
Abç
O texto é interessante. Entretanto, é algo que não traz nenhum benefício para a população carente. Imagine alguém que vive do bolsa família, que trabalha na área rural, que é analfabeto (e esses, é maioria em S. Dias /infelizmente)ficarem sabendo dessa alteração de data? Nem vão ter interesse por tal coisa.
Do ponto de vista daqueles mais instruídos, tem sim algum significado, mas considero de pouca relevância (desculpe-me, por favor).
Percebo a comemoração no dia 14/08 como uma forma simbólica e pode até ser feito uma analogia com o natal que mesmo os cristãos não tendo certeza que trata-se efetivamente do nascimento de Cristo, preferem comemorar nesse dia.
Mesmo assim, é um demonstrativo que você, Tom Torres, continua sempre "presente" nas questões da Gênese histórica de sua terra. Parabéns!
Uma cidade não é feita só de pão e vinho. Existe uma coisa chamada preservação da história, para que as futuras gerações não andem atordoadas no mundo sem saberem de onde vieram. O Natal é uma data emblemática, costurada sobre teorias. A emancipação da terra é diferente, é feita baseada em documentos.
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