Fazia um
tempinho que eu planejava ir a Buriti
dos Montes, a 240 km de Teresina, para conhecer o Cânion do Poti, notável por sua insólita beleza. No final da semana
passada, na companhia do cinegrafista Ezequiel Sá, resolvi encarar a árdua
empreitada. Até Buriti, nenhum problema: “a estrada está um tapete”, como
afirmam, orgulhosos, os nativos. Da sede do município a Conceição dos Marreiros,
onde se encontram as famosas gravuras rupestres, as coisas se complicam. São
pouco mais de 60 km de carreiros, para usar a expressão
adequada. Buracos, ladeiras, poeira e desolação. Sem um veículo 4X4 e um guia
experiente, o aventureiro não chegará a lugar algum.
Na
empreitada, contamos com o apoio da Secretaria de Turismo de Buriti do Montes e
com a experiência de Benedito Rubens, coordenador de turismo do município, que
conhece cada palmo dos 180 km do cânion.
Conhece mais: na década de 80, a pé e em botes infláveis, fez o percurso do
Poti, das nascentes, no Ceará, à foz, em Teresina. Gastou exatos 65 dias. A
aventura lhe rendeu centenas de fotos e um arsenal de histórias inacreditáveis.
Pouco antes de Chegar a Conceição, Rubens nos advertiu: “Para onde vamos, não
há energia elétrica, telefone, computador nem pousada com um mínimo de
conforto. Ficaremos alojados no prédio da escolinha da comunidade”.
Imediatamente me veio à mente o verso de Riacho
do Navio: “sem rádio e sem notícias da terra civilizada”. Nosso guia não
exagerou: Conceição dos Marreiros é um punhado de casas no meio do nada. Mas,
para meu desespero, por volta das 21h, logo após nossa chegada, apareceu um
cidadão numa caminhonete Hilux ,com
uma caixa de som maior que a caçamba do veículo. E tome “ Ai! Ai! Ai!, assim
você mata o papai” e outras pérolas da
canalhice musical que assola o país.
Para descansar o juízo, tivemos de pedir abrigo na casa de um dos
moradores do povoado. A noite seguinte foi um pouco pior: alugaram um gerador, contrataram
uma banda de forró de plástico e consumiram rios de cerveja. Fugimos para outra
casinha na periferia do arruado. Dormimos ( na verdade, passamos a noite ) sob
uma latada, curtindo música brega, num
frio de doer as articulações. Desolado, descobri que, hoje, estamos condenados ao
emburrecimento compulsório onde quer que estejamos.
A despeito
disso, foi a aventura mais fascinante de que participei. Rubens, atencioso, competente
e solícito, nos levou a sítios ainda pouco conhecidos onde existem as mais
belas gravuras que já vi. Estima-se que aquelas inscrições tenham algo em torno
de cinco mil anos de existência. Não são desenhos; são gravuras esculpidas nas
rochas de arenito. Um laboratório de arqueologia a céu aberto. Independentemente
da importância arqueológica dos sítios, o Cânion
do Poti é magnífico, para dizer o mínimo.
Ao contrário
do que afirmou o poeta Dobal em “Apontamentos para um poema do rio Poty”, o sofrido
“rio dos camarões” tem história, memória e, principalmente, belezas
indescritíveis. É triste afirmar isso, mas é verdade: o Piauí não faz por
merecer o que a Natureza nos deu de graça.
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