Elogio racista é toda demonstração de admiração,
afetividade ou carinho que se concretiza por meio de ideias ou expressões
próprias ao racismo. Com ou sem a intenção de, que fique bem claro. Um dos mais
conhecidos é o famoso "negro de alma branca” que nossos antepassados tanto
ouviram. Mas não são apenas nossos homens que conhecem muito bem os elogios
racistas. Nós mulheres negras também somos agraciadas com esses pequenos
monstrinhos, usados inadvertidamente por amigos, familiares. Muitas vezes até
por nossos parceiros.
Decidi fazer uma lista com cinco elogios racistas
(e sexistas, diga-se de passagem) que muitas de nós escutamos quase que
diariamente. Alguns são consenso, acredito. Outros nem tanto. Fico aguardando
ansiosa para que você, mulher negra, deixe seu comentário dizendo se também
acontece com você. Se concorda, se discorda. E, sobretudo, o que você faz para
deixar bem claro que esse tipo de comentário pode ser tudo, menos bem-vindo e
apreciado.
01. "Você é uma morena muito bonita”
Esse é o elogio racista que mais escutei em toda
minha vida. Minhas primeiras lembranças são do tempo da escolinha. Mesmo
mulheres como Adriana Alves ainda são chamadas de morenas, pois se acredita que
chamar alguém de negra é uma ofensa racial. Se você precisa se expressar, tente
um simples "você é bonita ou atraente”. Ou ainda "você é uma negra linda”,
o que, dependendo do contexto pode ser tão ruim quanto.
Mas em hipótese alguma diga que uma negra é morena,
moreninha, morena escura. Que não é negra. Isto sim é racismo dos graúdos, pura
e simplesmente. Quando acontece comigo, digo que não sou morena e nem
moreninha, sou n.e.g.r.a. O bom é que, dependendo de como essa resposta é dada,
a pessoa já se toca que ela não deveria ter começado o conversê, que
simplesmente não estou disponível para esse tipo de diálogo. Nem com
conhecidos, muito menos com estranhos.
02. "Seu cabelo é muito bonito, posso pegar?”
Há alguns anos atrás, uma senhora ultrapassou todos
os limites de uma convivência pacífica ao se aproximar de mim, cheia de dedos,
me tocando sem permissão e dizendo que eu tinha uma "peruca muito bonita”.
Não retruquei de caso pensado, antecipando seu constrangimento por jamais ter
cogitado que uma mulher negra pudesse ter um cabelo comprido, ao natural. Minha
vingancinha, e sou dessas, foi olhar aquela expressão de arrependimento por ter
percebido o que fez.
Entendo que simples visão de uma negra com cabelo
natural pode ser inebriante. Que persiste a completa desinformação sobre o
nosso cabelo. Porém, isso não justifica o toque sem permissão. Não importa se é
cabelo natural ou não. A menos que você conheça muito bem a pessoa, não toque
em seu cabelo sem consentimento. Eu iria mais longe. Para mim a boa etiqueta
simplesmente reza que não se deve nem mesmo pedir para tocar o cabelo de uma
pessoa desconhecida.
03. "Você tem os traços delicados”
Dizer que uma negra tem traços "delicados”
muitas vezes tem a ver com a ideia de que será bonita se tiver uma expressão
"fina”, leia-se semelhante a de uma pessoa branca. Como se determinado
tipo de nariz (ou bochechas) fosse exclusivamente dessa ou daquela etnia. Uma
de suas variantes é outra expressão igualmente racista – "você é uma
mulher negra bonita” – algo que ao meu ver é a mesma coisa de dizer que
"você é bonita para uma negra”.
Afinal, qual a dificuldade de dizer que uma mulher
negra simplesmente é… Uma mulher bonita? Porque Alek Wek tem de ser descrita
como uma "mulher negra bonita” enquanto as mulheres brancas são apenas
"mulheres bonitas”? Mais uma vez, toda a sutileza do elogio racista. Ele
reconhece que você é uma pessoa admirável, mas sempre fazendo questão de te
colocar "no seu lugar”, como se algumas fronteiras jamais pudessem ser
cruzadas.
04. "Você tem a bunda linda”
Essa é uma opinião que certamente não é unânime.
Faço questão de expressá-la como uma provocação que representa o pensamento de
uma parcela significativa de mulheres negras. Para muitas de nós, esse
comentário expressa a hipersexualização a que somos historicamente submetidas
como exemplifica a triste biografia de Saartjie, denominada a Vênus Hotentote,
exposta como atração circense em função da admiração que suas nádegas causaram
na Europa do século XIX.
Apesar de todo respeito que tenho por tudo aquilo
que acontece entre duas pessoas, preciso considerar a tradição racista secular
desse tipo de discurso. Trata-se de reduzir a mulher negra a um pedacinho do
seu corpo, desconsiderar sua humanidade, transformá-la num pedaço de carne
exposto no açougue como aconteceu e acontece diariamente. Meu conselho é
pergunte antes se a mulher a quem você pretende cumprimentar tem a mesma
leitura desse tipo de elogio.
05. "Você é uma mulata tipo exportação!”
Esse elogio ainda o tratamento dispensado à mulher
negra no seio da senzala, da casa grande. O pensamento que nos reduz em
brinquedos sexuais. Dizer que uma mulher negra é uma "mulata tipo
exportação” é esquecer uma tradição escravocrata secular, que transforma a mulher
negra em "peça” que alcançará boa cotação no mercado, onde a carne mais
barata é a nossa. O nome desse mercado é exotificação. Em alguns casos, hipersexualização.
Infelizmente também estamos falando sobre o modo
racista com que as mulatas de escola de samba, mulheres que respeito e admiro,
são mostradas e consumidas. Mulheres que levam o samba no pé, no sorriso, na
raça. Que, ao invés de ser uma referência de beleza, são vendidas como frutas
exóticas na temporada do carnaval. Mulheres que recentemente têm sido
preteridas por "personalidades da mídia” em nome de uma pretensa
"democracia racial” e muitas vezes com as anuências de algumas
agremiações.
Qual é a sua opinião?
Porém, preciso dizer que os elogios racistas podem
(e devem) ser subvertidos. Quando o assunto são as mulatas de quem já falei
aqui, isso é bastante evidente. Ser uma mulata exportação também atesta um
padrão de excelência e traduz qualidades como perseverança, força. Minha
professora de dança adora dizer que a graça de uma bailarina é diretamente
proporcional à sua força. Mulatas são as expressões mais concreta desse
enunciado.
Por isso fiz questão de usar como título desse
post, um trecho do poema de Elisa Lucinda, Mulata Exportação, que resume tudo o que tentei
dizer até aqui: "deixar de ser racista, meu amor, não é comer uma mulata”
como muita gente gosta de pensar. E acrescento, "opressão, barbaridade,
genocídio, nada disso se cura trepando com uma escura!”. Muito menos tecendo
elogios racistas, diga-se de passagem. Quem o diz é a mulata exportação do
poema. Sou eu, somos todas nós que já ouvimos essas porcarias.
Nota do blog: Siga Charô Nunes no twitter
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Oneirophanta, onde escreve sobre arte, cultura e
sociedade . Ela é a responsável pelo Um Brasil de Cor, blog de colagens e notícias
sobre a não-representação da mulher negra.
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