Por que os amores virtuais são tão intensos? Esta é uma pergunta que me
impressiona quase tanto como a que indaga sobre a razão de nos apaixonarmos por
determinada pessoa em especial e não por outro, mais adequada.
Nossa alma divaga por caminhos suburbanos, entra em estadas vicinais e
desemboca em atoleiros atrás de um sorriso, uma voz, um detalhe que nos
impressiona.
Feronômios? É possível, talvez sejamos compatíveis com determinados
odores especiais, em escala não percebida pelo olfato habitual. Isto explicaria
parte da questão.
Mas e a paixão virtual? A capacidade de se envolver amorosamente,
através de relações micro a micro ou telefônicas, sem que haja a menor
probabilidade de viagens feronômicas? O que leva as pessoas (e tenho conhecido
muitas, homens e mulheres) a se envolver, não apenas afetivamente, não apenas
platonicamente, mas eroticamente, passionalmente, com outras que nunca viu?
Uma
explicação possível e lógica seria uma volta à adolescência. Na Net somos todos
atemporais, sem idade, a virtualidade nos permite escolher o rosto e as
características que desejamos. Nada mais natural do que o desejo de
retomar um período de descompromisso, em
que o amor, ele mesmo, era assim, uma viagem narcísica, um perambular pelas
emoções easy rider, um caminho Gideano do prazer pelo prazer. Neste sentido a
explosão passional virtual seria a redescoberta de um erotismo juvenil ainda
centrado no próprio umbigo.
Outra explicação mais óbvia seria a da solidão. Neste mundo em que as
pessoas convivem, mas não compartilham, em que solidões a dois, três e quatro
são freqüentes e repetidas, a Net é um paraíso de iguais que se encontram,
trocam os sonhos reprimidos do travesseiro pelos mais excitantes da tela, onde
existe uma respiração e uma carne do outro lado, não apenas espuma e macela,
mas bocas imaginadas e sexos sugeridos.
Masturbação a dois, é verdade, volta ao eros primitivo em que o objeto
de amor era proibido e distante ou
próximo e semelhante.
Mas existe outra explicação mais romântica e menos científica, uma
explicação que ultrapassa a mera condição do humano biológico ou psicológico –
a fantasia imbatível.
De nenhuma outra maneira o amor pode ser mais perfeito, sem falhas,
completo e absoluto do que na vida virtual. Porque é não existente no real. O
real é sempre partido, incompleto, falho. O sexo virtual, como a bailarina do
Chico, não tem espinhas, chulé ou estrias. Não tem imperfeições nem desenganos.
É sempre iluminado no seu palco principal - a imaginação que tudo pode.
Nele somos o que desejamos e amamos
a quem criamos. Não uma pessoa real, mas um personagem, uma divindade do nosso
olimpo particular. Por isto a força absurda das relações que através deste
não-limite se criam, por isto a carga poderosa de energia descarregada através
dos bites eróticos.
E pela mesma característica, os
amores virtuais não são duradouros – ou se transformam em amores reais, numa
outra instância de relacionamento. (o que raramente acontece, justamente porque
competir com a fantasia é difícil) ou se desfazem como a espuma dos sonhos,
transformados em texto já lido e que perdeu o sabor da novidade. Ficará a
lembrança de algo inexplicavelmente forte, um raio sobre a planície, deixando
apenas o eco cada vez mais longínquo dos trovões.
Amores virtuais são uma das faces da infinita capacidade do homem de
criar e acreditar no que cria.
3 comentários:
É dá para contrariar? Observação, perspicácia, análise e reflexão nortearam esse artigo. Já vivi situação assim na Internet e foi "barra"... Aplausos para Maria Helena. Beijos, Tom. __ Kathleen
Ela pegou bem na veia, né? Obrigado pela visita ao meu humilde recanto, Kathleen Lessa.
Realmente por se criar o que se quiser no virtual é que tais amores são tão intensos. Belo artigo.
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